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Mostrando postagens com o rótulo Sociedade Brasileira

KNIFE EDGE

  (Foto: Estado de Minas)             Fim de ano é tempo de confraternização e festas, mas também de viagens e tragédias, numa redundante causa mortis que suscita perguntas aos bem-pensantes. Do tipo: quando é que as pessoas vão perceber que a violência no trânsito é um reflexo direto de sua forma de agir ao volante?             Algo tão óbvio, já cheguei a me debruçar sobre o tema ao fim de mais uma viagem pelas estradas de Minas Gerais na crônica (injustamente) pouco lida que se intitulava sarcasticamente “Morrer!” (aqui neste blog). Tratei com ironia essa busca pelo caminho mais curto para debaixo dos sete palmos de terra de parte de alguns motoristas. Saudei o progresso sinistro que faz alguém enfiar uma moto debaixo de um caminhão e morrer em fração de segundo.             Os suicidas não têm mais descu...

EXTREMA DIREITA, VOLVER!

            Então os brazucas resolveram ir passear na praça enquanto o lobo não vinha.   Nem sequer imaginavam que o lobo estava entre eles, disfarçado de cordeiro, a caráter em seu uniforme verde oliva, metralha, botas, palavrões e ameaças - ameaças aos montes, proferidas com a mão sobre a bíblia e o dedo sujo em riste. Este é o argumento por excelência da Klu Klux Klan, da TFP e dos tabaréus do MBL. Desde as cavernas, catacumbas e bunkers, Ave, César!, os que vão morrer, vos saúdam. Prometemos não cagar de medo quando os guardas-pastores enfiarem o dedo em nossos... narizes, prometemos não desfalecer.               Seria cômico se não fosse cínico esse jeito tupiniquim de escamotear as coisas e chamar jacaré de iguana e chacal de meu pet. Vamos ser mais claros: assumir o país tal qual ele é, com suas diferenças e injustiças, é difícil demais para uma mulher ...

NOVES FORA 7 DE SETEMBRO

(Imagem: Vida de Turista)             Saí par ver o desfile de 7 de Setembro, afinal, o centro da cidade fica pertinho daqui e o som dos tambores chega a meus ouvidos como uma música de fundo à hora do café dominical. Trata-se de uma caminhada de cinco minutos, a rua está praticamente livre, não há multidões, poucos veículos, dá para ouvir passarinhos, gatos, cachorros e galinhas ao longo do caminho. O desfile é modesto e discreto, nem de longe lembra as paradas de antigamente, aquelas que os pais de vocês contam, ou seja, as pessoas da minha idade, e mostram nas antigas fotos em papel: a mamãe desfilando de bailarina, o papai tocando bumbo, o tio trajado de imigrante alemão ou japonês. A única animação evidente é a do narrador, colocando sobre o palanque onde se reúnem certamente o prefeito e mais meia dúzia de autoridades, além de um grupo de senhoras que participam do cortejo vestidas de fantasias a carnaval e dançando ao...

ÔNIBUS! BUU!

  (Imagem: pt.coolclips.com)             No Interior, não é fácil encontrar matéria para uma crônica, o que me leva a escrever sobre cães e galos e a inventar causos. Mas, na capital, não faltam motivos, bons ou ruins, dependendo do ponto de vista ou do humor do dia. É no meio das multidões de desvalidos que moem seus sonhos nesta imensa fábrica de injustiças que se sente o verdadeiro peso da vida. Vejamos os prosaicos ônibus, sobre os quais já escrevi mais de uma vez, essas caixas de metal, desconfortáveis de doer, que constituem a base do nosso transporte coletivo e dos quais nossas cidades grandes dependem como um ser vivo depende do oxigênio.               Convém lembrar que os coletivos são caminhões adaptados a partir do design dos carros de bois do velho oeste, com um cubo de aço, duas fileiras de assentos estreitos e duros de PVC de cada lado e tubos ...

É DE MORTE

         Se viver está difícil, imaginem morrer. Nossa história começa com um homem sentado a cavalo sobre uma janela do décimo-quinto andar do edifício Acaiaca. Sem camisa, e com o peito reluzente ao sol da tarde, ele grita frases obtusas, imprecações, clamores, promete se lançar no vazio, ou,   pelo menos, é isso que chega aos ouvidos dos passantes lá embaixo.   Uma pequena multidão acaba se formando nas calçadas de uma das esquinas mais movimentadas do centro de Belo Horizonte. Há quem finja conhecê-lo: “Desça daí, Alfredo, sua mãe vai morrer do coração!” Há quem apele para seus sentimentos cristãos: “Arrependa-se, e confie no perdão divino!” Alfredo, ou seja qual for o seu nome, responde apoiando-se no peitoril da janela com ambas as mãos, como quem está prestes a saltar. Isso provoca uma reviravolta dos curiosos, muitos se afastam com medo de serem esmagados, ouvem-se gritos histéricos, chega a polícia militar, o trânsito é in...

O NOVO CICLO DO ATRASO

(Foto: Estadão)              Qualquer tentativa de dissociar o governo Temer do governo Dilma é mera ilusão e não resiste aos fatos. Não apenas porque os dois foram eleitos juntos por duas vezes, mas também porque, ao quebrar o verniz ideológico que cobre o antigo partidão, o PMDB, e o novo partidão, o PT, damos com o mesmo caroço. Não foi por isso que fizeram uma aliança que sobreviveu por três governos e meio, na qual atuavam juntos como carne e unha? Que discordâncias havia no congresso entre os dois grandes aliados nos tempos das vacas livres? Apenas pequenas brigas de egos e disputas por cargos. Se houve algum cisma relevante, que alguém dê um passo adiante e se pronuncie. O casal que hoje parece improvável não trocava antes juras de amor eterno? Não loteara o congresso nacional: controle do senado para você e controle da câmera para mim? Os cargos comissionados, os controles dos órgãos e empresas públicas não eram ratea...

ADIÓS A LOS VEINTE AÑOS - Um manifesto pós-utópico

(Imagem: Sismmac.com.br)             Os acontecimentos dramáticos dos últimos dias demonstram de forma inequívoca que as rodas da história puseram-se mais uma vez em movimento.   No entanto, a prisão do ex-presidente Lula não foi um raio caído de um céu claro de verão, mas sim um capítulo de uma novela ou, melhor, um episódio de um reality show recheado de intrigas, diz que diz e mentiras. O gosto nacional pela baixaria, aperfeiçoado ao longo dos anos com a dieta compulsória de violência e corrupção, atingiu o ápice. Muito lodo ainda há de passar por debaixo dessa ponte e de nada adiantará dobrar os sinos pelas ilusões perdidas da juventude, melhor será ficar atento e forte, como dizem os versos da velha canção. Mais importante ainda será não aderir às manifestações de ódio e preservar a mente como um território de liberdade e criação. Para quem pensa fora da caixa e pode se dar ao luxo de percorrer as pegadas do temp...

LAMPIÃO E LAMPARINA

            Lampião foi o rei do cangaço e também um equipamento de iluminação muito comum no passado, assim como a lamparina, sua prima pobre, companhia imprescindível em todas as casas rurais do Brasil. Quando o lampião a gás chegou, foi um assombro: ele iluminava o equivalente a dez candeeiros ou vinte velas! e mantinha uma casa inteira longe das trevas, sem fantasmas, lobisomens e esqueletos atrás das portas, essas histórias que os adultos contavam para assombrar as crianças.             O lampião tinha várias vantagens, sobretudo a de fazer desaparecer num passe de mágica a fumaça tóxica que emanava dos candeeiros. Para quem vivia naqueles tempos ermos, era uma evolução, embora algumas vozes se levantassem em defesa do antigo método. Gente que sentia saudades das latas de Querosene Jacaré – o melhor -, que eram galvanizadas e muito boas,   serviam para tudo após serem ...

1959

(Foto: wordpress.com)             Entre os números cabalísticos não consta o 59. Seria ele um número qualquer, como 1016 e 21, desses que se habilitam a saltar de bungee jump, andar de monociclo na corda bamba e outras aventuras radicais só para sair do ostracismo? Muitas evidências indicam que não. 59 é um coroa enxuto, com muitas histórias para contar. Por exemplo: meu pai tinha fixação pelo ano de 1959. Tudo de grave e impressionante para ele tinha acontecido nesse ano. Falava da grande enchente de 59, do fim da guerra (não sei a que guerra ele se referia), da copa de 59 (meu pai era torcedor do Bahia, e, para ele, a conquista da Taça Brasil daquele ano correspondia a uma copa do mundo). Mais tarde eu tentei corrigi-lo, afirmando que a copa tinha sido no ano anterior. Foi como tentar convencer um camelo a passar pelo buraco de uma agulha.             A calça c...