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Mostrando postagens com o rótulo Vida urbana

SEU MONTEIRO

                                                          Os motoristas de táxi desta cidade são todos aposentados de outras profissões. João Paulo é ex-bancário, Brás é ex-mecânico e Seu Monteiro foi operador de máquinas em uma usina siderúrgica, demitido em período de vacas magras.   Há mais de vinte anos dedica-se ao volante, profissão que abraçou como uma segunda natureza. Percorre as ruas da cidade onde nasceu várias vezes ao dia, conhece todos os caminhos, sinais e inclinações do sol. Funde-se à paisagem urbana como um auto móvel, está na praça, na estação, na rodoviária.             Além de recolher o passageiro em casa ou no trabalho na hora em que quiser. De manhã cedinho ou tarde da noite. Seu Monteiro é humilde, paciente e prestativo.  ...

CANÁRIOS

                Além de pouco stress, muita segurança, boa qualidade de vida e ser uma cidade pequena ligada ao mundo - não apenas conectada -, Timóteo surpreende por um aspecto que passa praticamente despercebido à maioria: o grande número de animais na zona urbana, entre os quais os passarinhos.             Domésticos, desgarrados ou silvestres, os animais nos dão um belo exemplo de coexistência. Cães com coleira, acompanhados dos respectivos donos, desfilam por toda parte como filhos bastardos. E há também os solos, cães vadios independentes, que percorrem as ruas com desenvoltura e dão lições de civilidade a certos humanos, como a de atravessar – sempre - na faixa de pedestres.             Micos podem ser avistados em vários lugares, vez por outra um guaxinim morre sob as rodas dos carros, garças (pelo m...

ÔNIBUS! BUU!

  (Imagem: pt.coolclips.com)             No Interior, não é fácil encontrar matéria para uma crônica, o que me leva a escrever sobre cães e galos e a inventar causos. Mas, na capital, não faltam motivos, bons ou ruins, dependendo do ponto de vista ou do humor do dia. É no meio das multidões de desvalidos que moem seus sonhos nesta imensa fábrica de injustiças que se sente o verdadeiro peso da vida. Vejamos os prosaicos ônibus, sobre os quais já escrevi mais de uma vez, essas caixas de metal, desconfortáveis de doer, que constituem a base do nosso transporte coletivo e dos quais nossas cidades grandes dependem como um ser vivo depende do oxigênio.               Convém lembrar que os coletivos são caminhões adaptados a partir do design dos carros de bois do velho oeste, com um cubo de aço, duas fileiras de assentos estreitos e duros de PVC de cada lado e tubos ...

O BOTÃO

(Foto: carrodebolso.com.br)              As estatísticas mostram que as mulheres dirigem melhor do que os homens. O problema é que, enquanto o homem considera o carro um membro da família, com suas peculiaridades (lonas de freio, óleo do cárter), a mulher só se importa em virar a chave e pegar a rua. Até que, um dia, alguma coisa acontece e então ela é obrigada a descobrir que a tal da rebimboca da parafuseta realmente existe.             Assim como a junta homocinética, uma peça do carro que fica entre a roda e o eixo, transmitindo o giro do motor (cinética) para as rodas. Quando ela se desgasta, de duas uma: ou é por exaustão ou então é porque a suspensão está comprometida. O jeito é verificar tudo, o que é fácil: o mecânico suspende o carro com o uso do elevador e testa as buchas, pivôs, amortecedores e rolamentos. O que sacudir ou fizer barulho, fired! , está despedido.  ...

UM OLHAR SOBRE A CIDADE

  Pico da Ana Moura, Timóteo, MG          A primavera aconteceu este ano, ao contrário dos dois anos anteriores, quando o inverno se transmudou rapidamente em verão. Temos chuvas desde o final de setembro e a natureza tropical está revigorada, exibindo seus melhores tons de verde e amarelo, matizados com florações brancas, roxas, laranjas e vermelhas. Há muita vegetação dentro da cidade, que tem a sorte de estar localizada entre vales, numa região onde a cobertura vegetal deve ser mantida para contrabalançar a poluição produzida pela indústria siderúrgica.          Em Timóteo, há praças, corredores verdes, um lindo parque na montanha (Pico da Ana Moura) e uma mata urbana (o Oikós),  que garantem à cidade uma boa qualidade do ar e uma humidade atmosférica que nunca fica comprometida, mesmo durante os meses mais secos do inverno. A diferença é notória quando se compara a situação do municí...

A MORTE DO VENDEDOR DE PICOLÉ

(imagem: www.humortalouco.com.br)                     Esta cidade tem tanta coisa interessante! Um pó cinza escuro   que se deposita sobre os móveis, uma obra em cada esquina, muitas mulheres bonitas, vendedores e compradores de todos os tipos, policiais e viaturas. Todos trazem sua contribuição ao bem comum e dele se beneficiam, mas alguns se beneficiam mais do que trazem, como os larápios e os políticos. No caleidoscópio da malha social, vários tipos se cruzam e interagem, cada um buscando o seu próprio caminho. A cidade não é mãe, apenas madrasta: pode recompensar ou punir, mas jamais terá sentimentos. O chão onde se pisa é responsabilidade de cada um.             Ainda que o chão seja o mesmo para todos, os fortes, os fracos e os onissos. Automóveis, bicicletas, caçambas e pedestres. Vendedores ambulantes, entre os quais viceja a dura luta que as classes populares...

A LUZ E O ELEVADOR

(Foto: wordpress.com)             Certos indivíduos são vítimas de perseguições infundadas, preconceitos mesquinhos, ilações maldosas. Algumas categorias também. Só porque você padeceu naquele voo para Nova Iorque, espremido como um limão entre dois lutadores de luta livre, não está autorizado a sair por aí dizendo que a obesidade deveria ser punida ao mesmo título que os crimes de lesa-majestade e a propaganda enganosa.             Como é sabido, as companhias aéreas mantêm aquelas poltronas com espaços macróbios para a classe menos abastada por razões financeiras e também sociais. Julgam que os comedores de hambúrguer-batata frita, os membros da Vigilantes do Peso (aquele grupo que se reúne regularmente para conferir quanto cada um engordou no mês) e tamanhos extra large em geral devem sentir no estômago a inconveniência de serem cidadãos fora das medidas.  ...

A UTILIDADE DE UM VELHINHO

                    Desculpem, senhoras e senhores, eu realmente não quis dizer velhinho ao pé da letra, uma vez que uma pessoa de sessenta ou setenta anos de idade não é mais velhinha hoje em dia. Ao contrário de tempos atrás, quando ter cinquenta anos significava estar um caco e ultrapassar o limiar dos sessenta era botar um pé na cova. Don Quixote, o personagem decrépito da famosa novela de Cervantes,   era um ancião lunático e caquético aos cinquenta anos. E podemos considerar que estava de bom tamanho se compararmos aos tempos antigos, quando os homens morriam na guerra entre os vinte e os trinta anos e, mesmo as mulheres, que não lutavam de escudo e espada estavam sujeitas a uma morte precoce, de tifo ou de parto. Mas, depois do antibiótico e do viagra, até pessoas de oitenta anos estão bombando e não será grande surpresa se prolongarem a procriação até a terceira idade.        ...

CASTELO DA BEIRA

Dez horas da manhã, Rua Castelo da Beira, número 717, apartamento 404, como nos velhos tempos, uma trip incidental pela cidade. Não queremos rush para chegar lá,   queremos curtir um dia de sol através da janela de um ônibus. No coletivo azul como o mar de mármara, há muitos lugares, nos pontos seguintes todos os assentos serão ocupados. Entramos no coletivo em perfeita ordem, indistintos “ commuters ”, escolhemos nossos lugares e sentamo-nos. Nenhum passageiro parece ter pressa além da habitual; são todos traquejados no ritmo das ruas da capital...   Um chato sobe no ponto seguinte e começa a distribuir cartelinhas vermelhas acondicionadas em um plástico ordinário – faço um gesto de recusa quando ele me estende um pacotinho com mão grassa. Meu amigo toma a cartela com um gesto mecânico e coloca-a sobre o assento, o que é repetido pelos demais passageiros. Aí o chato abre a matraca e desata a falar. Lá se vai a ordem e o respeito ao ouvido alheio. “Bom dia, meu nom...