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Mostrando postagens com o rótulo Animais

VIDA DE CÃO

              O ente mais feliz desta cidade do interior não é um homem nem uma mulher, mas sim um cachorro. Vira-lata ainda por cima, com genes de banzé e pequinês. Pequeno, decidido, confiante. Não rosna nem late, não amola no trânsito, atravessa (sempre) na faixa, conhece as lixeiras do centro como a palma da pata, dispensa más companhias e trata os humanos como seus semelhantes.             Ao contrário das matilhas que silhonam as ruas noite e dia, o vira-lata é um cão solitário. Tampouco tem dono ou dona, como alguns dos seus irmãos quadrúpedes, que não correm pelos becos, não comem porcaria e não conhecem mais do que a própria varanda ou jardim. Prefere ser dono do próprio focinho.             É sensato e humilde, ainda por cima. Não mede força com os mandões: se está revirando uma latrina e um colega fami...

BRUNA E PENA BRANCA

  Ilustração de Romeu Célio para Vento Sul             Bruna é uma garotinha de 8 anos, pra lá de inteligente e ativa. Amante dos livros e dos animais, ela faz tudo que uma garota da sua idade costuma fazer, como brincar e colecionar dinossauros. Além de cavalgar, paixão que está herdando dos pais.             Nessa hora, todo cuidado é pouco. Crianças não devem montar em cavalos, naturalmente mais rápidos e ariscos, a menos que os mesmos sejam mansos como burros – ou como jumentos. Os pais de Bruna sabem muito bem disso e suas incursões sobre a sela se dão no lombo de uma mulinha pacata e preguiçosa, dessas que andam como quem está dormindo e só arriscam um trote quando sentem os golpes insistentes da taca no traseiro. Galope, nem pensar, isso é coisa para cavalos!             Quanto à leitura, Bruna...

LITTLE RED ROOSTER

                         O galinho de Quintino foi um famoso jogador de futebol e o Little Red Rooster, um blues de Sam Cooke regravado pelos Rolling Stones: “I got a little red rooster Too lazy do crow for day”, “Ganhei um o galinho vermelho Preguiçoso demais pra cantar para o dia nascer.”             Na fazenda, o canto do galo anuncia a aurora que desponta, no entanto, é pouco provável que ele desperte os demais bichos, além de algumas galinhas e humanos preguiçosos. Os galos mais disciplinados começam a cantar assim que percebem a claridade crescente. Depois que o sol nasce, vão cuidar de outros afazeres, como defender o galinheiro e se alimentar. Quando se aposentam desse ofício, geralmente viram canja.             A ironia fica por conta dos galos da ...

PÁSSAROS ENGAIOLADOS

              Desci na Estação Châtelet, na Rive Droite, margem direita do Sena, com destino ao mercado de pássaros que tradicionalmente se abre aos domingos no centro de Paris. Eu havia decidido por uma abordagem mais prudente desde que, na véspera, levara uma carreira de umas putas dos lados do Boulevard Saint-Martin. Tudo porque eu, turista afoito, bati uma foto um tanto  à la legère , sem pensar. Eu Explico:             Na Rive Droite, bem pertinho do centro, tem uns bairros populares muito interessantes. Por ali se cruza com estudantes, operários, turistas e imigrantes de variada plumagem. À medida que eu subia a Rua Montorgueil, a paisagem mudava subitamente: ora uma profusão de restaurantes, ora um mercado popular, ora umas mulheres exóticas - clic, clic, clic. Inocentemente virei uma esquina e entrei numa rua onde se praticava a venda do corpo, ofício antigo. Havia mais ti...

BOLA DE PELO

O amiguinho de pelo não tem mais do que vinte centímetros de altura quando está em posição de descanso. No entanto, quando se move, com saltos graciosos e ágeis, é bem mais alto. É mais alto ainda quando fica de pé sobre as patas traseiras e fareja os arredores. Mas sua posição favorita é rente ao chão, estendido como uma diva sobre o divã, orelhas apenas de pé, pois coelho que tudo ouve não morre cedo. É discreto, ardiloso e furtivo. E silencioso também. Seus únicos ruídos são o ronronar gutural intermitente característico do estado de excitação ou a batida das patas traseiras quando precisa defender seu território contra algum invasor. Os gatos morrem de inveja de sua doce concentração. E de sua higiene também, pois ele não precisa de banho, xampu ou perfume. Basta-lhe um jornal para fazer as necessidades, dispensadas em pelotinhas inodoras, que mais parecem caroços de romã. Não solta pelos aleatoriamente, não ocupa espaço em camas e poltronas, não foge arredio pelas ca...