Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2017

Na foto de família, Lê é o de óculos, à direita.              Era como minha mãe o chamava, além do tio Rosentino, um apelido de família, conhecido de poucos, desses que tendem a desaparecer com a geração. Depois de desaparecidos pais, tios e primos, vai-se a memória de todo um grupo, com suas histórias e seu vocabulário. Foi o que aconteceu com o codinome Lê, um acrônimo para Lacerda, aqui nestas linhas resgatado pelo bem de uma dúzia de herdeiros e igual número de leitores.             Sendo um nome pronunciado por apenas duas pessoas, poderia ter um número limitado de nuances e conotações. Mas esta pode ser igualmente a fonte de um mistério ainda maior, digamos um segredo muito bem guardado ainda por vir à tona.             Lê acordava muito cedo, antes das galinhas, porcos e vacas que estavam no centro de suas preocupações, assim como os preguiçosos (segundo ele) que só queriam saber de comer e dormir além do necessário. Lê estava errado, naquela casa todos trabalhav

E AGORA, COM VOCÊS, O ATRASO

            Chega de orange, o atraso é o novo black,  assim, sem papas na lírica, sem calos nas cordas vocais, sem falso pudor de trazer para a frente do picadeiro essa compulsão recente pelo retrógrado, quadrado e tacanho. A TV mostrou, o congresso aprovou, o STF bateu o martelo, não vai poder mais ter peito, piadas e ironias, necas de checas e pintos, só bandas sertanejas, sexo é coisa de canibais. Não se olhe no espelho e tome banho de cinto de castidade, veja na tv do bispo os documentários bíblicos, catástrofes, tsunamis, mortes por bala perdida também valem  pra baixar a libido. Achava que tínhamos evoluído depois dos hippies, yuppies e hipsters,  que todo mundo ia dar de pau na federal e cheirar talco em Miami e Las Vegas? Não tem plano B, C ou H, chega de conversa mole, vamos direto ao atraso.             Como vão nascer os bebês? Em sacos tipo preto lixo ou dentro do saco amniótico, frágil e translúcido? Bota pra tocar aquela banda debochada dos anos 80, que pregava

DE LISIANES & EUNICES

(Imagem: Mundo do Marketing)             O tempo é um dos deuses mais lindos, segundo a expressão cunhada por Caetano Veloso na canção “Oração ao tempo”. Sendo assim, ele tem a prerrogativa de construir e destruir na mesma medida, dependendo da perspectiva de cada um. Quem valoriza o próprio patrimônio, tem vida ativa e feliz, quem se entrega às circunstâncias, pode sofrer acidente fatal na curva do futuro. Enquanto adepto das formas perfeitas e das boas colocações pronominais e físicas, deixo aqui o meu protesto contra o desleixo de algumas mulheres que conheço.             A começar pela Lisiane. Quem te viu, quem te vê. Até outro dia, era um verdadeiro regalo para los ojos , combinação perfeita de tornozelos, pernas, quadris, torso e nariz apontando orgulhosamente para o céu; triunfava sem esforço sobre o trabalho modesto de vendedora; dava-lhe caráter e distinção; sonhava e fazia sonhar entre computadores, teclados e mouses...             Mas eis que desleixou pra val

MORRER!

BR 381, trecho Timóteo - Belo Horizonte.              A espécie humana evolui, a cada dia são incorporadas novas conquistas científicas e tecnológicas. Mas não abandona de todo os instintos dos tempos das cavernas ou dos gladiadores. Inteligência e estupidez não são incompatíveis, elas atuam lado a lado, e, quando a segunda predomina, é bomba!, costuma provocar acidentes e mortes nas estradas. Na Grécia Antiga, morria-se aos 25 anos, pois (quase) todos os homens válidos tinham que defender sua cidade e conquistar outras, através da guerra. Hoje a expectativa de vida ultrapassa os 80 anos, a morte demora a chegar. Uma vida assim pode ser longa demais para alguns, é natural que venha o desejo de encurtá-la.             Uma das formas mais eficientes para se morrer subitamente é ao volante de um automóvel.   No trânsito, há aqueles que acham que devem andar mais rápido do que os demais, mesmo indo ao mesmo lugar. Outros se consideram ases, velozes e furiosos, mesmo quando

COGUMELOS AZUIS

                                                                 “Zebu morreu, ele se fudeu, cogumelo é meu!” Ventania             De tempos em tempos, é preciso pingar colírio alucinógeno, usar lentes caleidoscópicas ou tomar cachaça no gargalo. Depois, fugir pras montanhas, quem sabe recuperar um pouco do tribalismo primitivo inerente à espécie. Tem festa no interior, tem lua cheia. Tem bandinhas tocando na frente da igreja desde o meio da tarde. E, quando a noite cai, promissora e fria, tem carreata da santa, sem andor, mas em cima de uma caminhonete. E tem salvas de fogos!              A fogueira é acesa no meio do largo para aquecer o coração de crentes e pagãos, citadinos & locais. Barraquinhas de comidas e bebidas, um palco, estrategicamente montado ao lado da igreja, compondo a aliança indissolúvel entre o sacro e o profano.  O uniforme branco do congado brilha à luz do fogo,  tambores secos ressoam pelo largo, pelas casas rasas, bate na serra, espalha-se. O

LULA, BOLSONARO, TEMER E IRON MAIDEN

(Charge de Iotti, jornal Zero Hora)             Decidi dar vazão a minhas convicções democráticas ao vivo e em cores e frequentar todas as pessoas, independentemente do partido político ou religioso. Acho que é perfeitamente possível tolerar os amigos, os parentes, os vizinhos, os conhecidos virtuais e os amigos dos amigos e viver em paz com a própria consciência. Não há nada de mais em ouvir sertanejo escrachado em um aniversário de manhã, passar a tarde assistindo a velhos clips de Toquinho e Vinícius, tomando whisky com guaraná em casa de amigos e ainda aceitar o convite do vizinho para um churrasco na sexta à noite, com  o cardápio: picanha e hits gospel. Sem deixar de se entrever com representantes da velha guarda no fim de semana, seja ela a heavy metal ou a jazzística.             O ideal é adotar um tom bem natural. Se o assunto for política, não se recusar a assistir aos velhos discursos do Lula, daqueles dos tempos do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Ca

TU ES PLUS BELLE QUE LE CIEL ET LA MER: Un poème de Blaise Cendrars

             Feuille de titre, avec dessin de Tarsila do Amaral           C’était en 1983, je crois. J’étais chez un ami traducteur, avec qui je passais des heures à brûler des joins, essuyer des scotchs et rouler les mots à propos de tout et de rien. Une échappée belle dans sa bibliothèque et j’en suis sorti avec un petit livre de la taille d’un paquet de cigarette, que j’ai commencé à lire au hasard – une page, deux... et, tout de suite, cette merveille : Tu es plus belle que le ciel et la mer Quand tu aimes il faut partir Quitte ta femme quitte ton enfant Quitte ton ami quitte ton amie Quitte ton amante quitte ton amant Quand tu aimes il faut partir Le monde est plein de nègres et de négresses Des femmes des hommes des hommes des femmes Regarde les beaux magasins Ce fiacre cet homme cette femme ce fiacre Et toutes les belles marchandises II y a l'air il y a le vent Les montagnes l'eau le ciel la terre Les enfants les animaux Les plantes et le

MINHA MÃE COMO NUNCA A TINHA VISTO ANTES

                                              Inspirado por um artigo do The New York Times*, resolvi fazer um retrato diferente da minha mãe, buscando recuperar um pouco do seu tempo de juventude, tal qual o artífice que restaura uma antiga fotografia em preto e branco que esmaeceu em contato com as intempéries. Será também a oportunidade de prestar-lhe mais uma homenagem, desta vez não como a Dona Celsa tão cara à memória daquelas que tiveram a oportunidade de conhecê-la, uma guerreira que atravessou o século XX até chegar ao início deste século XXI, quando faleceu aos 92 anos de idade, mas como a pessoa em si, para além do mito da mãe, avô e bisavô, em concomitância com o espírito de sua época.             O ponto de partida é esta foto acima, único registro que ficou de sua época de solteira. É uma foto muito bonita, como podem ver, com vários detalhes significativos, em que pese a simplicidade do cenário e a casualidade da pose. No verso, está cuidadosamente registrada

PRÁTICA BUDISTA EM TIMÓTEO, MG

Fundação do Bloco Sol no Coração, em 03 11 13, em Timóteo, MG.          Nos últimos anos, tem crescido de forma contínua o interesse pelo Budismo, seja de parte de pessoas que buscam obter mais informações sobre esta que é a quarta religião mais popular do mundo, seja de parte de quem já se identifica com sua filosofia humanista e deseja iniciar a prática. No segundo caso, o mais natural é procurar um centro ou comunidade próxima – e ter a boa sorte de encontrar uma.          No Vale do Aço em Minas Gerais, podemos contar com a mais antiga comunidade de praticantes do estado, desenvolvida a partir de 1962, através de imigrantes japonesas que vieram trabalhar na Siderúrgica Usiminas. Em 1972 foi criada oficialmente a comunidade pioneira do Bom Retiro, na cidade de Ipatinga. O desenvolvimento desde então tem sido vigoroso, e o Budismo de Nichiren Daishonin, tal qual praticado pela Soka Gakkai, tem conquistado cada vez mais adeptos na região.          Em Ipatinga está situado

RUÍNAS

        Na canção “Fora de Ordem”, Caetano Veloso diz que, no Brasil, " tudo parece que era ainda construção e já é ruína".   Considero esta definição perfeita   e a incorporei a minha própria visão de nosso país. Agora, vejo que outros compartilham da mesma ideia, a saber, que o Brasil é uma máquina trituradora de coisas e conceitos, que parece estar em constante movimento, embora não saia do lugar.              Há um afã em recuperar o atraso, então faz-se tábua rasa de tudo, a natureza (exuberante só em alguns lugares), os monumentos, os costumes, a culinária, a língua, tudo sofre uma crescente invasão alienígena e se desfaz. Uma palavra do inglês deve ter mais valor do que seu equivalente em português, pois já não nos damos mais ao trabalho de traduzir. Adoramos colocar nossa identidade em cheque, é um debate nacional sem fim, imitamos descaradamente o que outros criam, somos os reis da gentileza e da paródia. Temos complexos aos montes, somos macunaimas, antro