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Mostrando postagens com o rótulo Poesia

IMPERECÍVEL – FLÁVIA FRAZÃO

                Até que enfim resolvi ler o livro de Flávia Frazão. Se souber disso, ela me mata. Minha única esperança é tornar públicas essas impressões de leitura, de modo a conquistar seu afeto e seu perdão.             Porque a alma em ebulição da autora se manifesta a cada poema e ela pode muito bem nos lançar em correntezas e dúvidas das quais não sairemos ilesos. Seu trabuco 38 (na época de lançamento do livro, em 2019 – agora ela vai me matar de vez) parece estar sempre fumegante:   “mãos ao alto senão atiro   38 é fatal e certeiro meu bem   o calibre é meu e de mais ninguém”             [Trinta e oito]             Com sorte, ela terá péssima pontaria, como a maioria dos poetas, que miram no nosso peito e acerta...

GINA LOLLOBRIGIDA E O ORGASMO ONÍRICO

(Imagem: Brett Hammond)           Os gatos, tão discretos e reservados, tornam-se indecentes na hora do sexo. Culpa do cio, que os iguala aos humanos apenas algumas vezes ao ano. Nos outros dias, é seca pura; então os felinos abusam quando podem. Uma mosca voando, o repicar de um sino a dois quilômetros de distância, a brisa do verão, aquele leve sussurro no ouvido, só a Gina para compreender a razão dessas coisas.             Meia luz ou escuridão, passos na água ou no carpete, pé, pés, pele tocando pele, saliências, curvas, transparências - a respiração. Leve, levemente solta sobre o colchão, cabeça para trás e cabelos tocando o piso. Um breve murmúrio de satisfação e pudor, como se acabasse de vir ao mundo. Um orgasmo inaudível, melhor senti-lo, penetrando na Gina até desaparecer dentro do seu suspiro.             E, lá de...

TU ES PLUS BELLE QUE LE CIEL ET LA MER: Un poème de Blaise Cendrars

             Feuille de titre, avec dessin de Tarsila do Amaral           C’était en 1983, je crois. J’étais chez un ami traducteur, avec qui je passais des heures à brûler des joins, essuyer des scotchs et rouler les mots à propos de tout et de rien. Une échappée belle dans sa bibliothèque et j’en suis sorti avec un petit livre de la taille d’un paquet de cigarette, que j’ai commencé à lire au hasard – une page, deux... et, tout de suite, cette merveille : Tu es plus belle que le ciel et la mer Quand tu aimes il faut partir Quitte ta femme quitte ton enfant Quitte ton ami quitte ton amie Quitte ton amante quitte ton amant Quand tu aimes il faut partir Le monde est plein de nègres et de négresses Des femmes des hommes des hommes des femmes Regarde les beaux magasins Ce fiacre cet homme cette femme ce fiacre Et toutes les belles marchandises II y a l'air il y a le vent Les m...

UM POEMA DE FRANCE GRIPP

            France Gripp é uma professora e poeta natural de Governador Valadares, no leste de Minas Gerais. Seu primeiro livro foi a coletânea Eu Que me Destilo , lançada em 1994, na qual o gosto da autora pelo verso apaixonado e “côncavo”, quase barroco não fosse pós-moderno, se evidencia.  Depois de uma incursão pela literatura infanto-juvenil que lhe rendeu dois livros, eis que Francirene (seu nome de batismo) retorna à sua praia natural, a poesia, com outra coletânea, Coração Incendiário , edição de 2014.             Fazer o strip-tease da alma, arriscando-se nos meandros mais obscuros da linguagem para afirmar sua individualidade em um mundo polivalente e triturador de ilusões, é a tônica das gerações que sucederam a Ferreira Gullar e a poesia marginal. As palavras são muitas vezes condutoras de alta voltagem, não raro o sujeito é vítima de choques, baques, cort...

VAI FUNDO!

            (Imagem: lounge.obviousmag.com)                Tínhamos que nos perfilar no pátio da escola e cantar “eu te amo, meu Brasil, eu te amo; ninguém segura a juventude do Brasil”, depois do hino nacional. O lugarejo não tinha calçamento, mas ser professor ainda era alguma coisa, a gente dizia “sou aluno da Dona Antônia”, com uma ponta de orgulho.             Para as crianças, aquelas frases exaltadas evocavam alguma coisa a que eles pertenceriam, um lugar chamado Brasil; muito diferente, uma espécie de sonho.             Jogar bola na hora do recreio era bom demais. Difícil era ter a bola, as de plástico se desgastavam rapidamente sobre o piso de argila batida. E todos eram pobres, quase ninguém podia ter uma. Então, valia bola de meia e algumas unhas do dedão arrancadas. Alguns usavam congas...

REMEMBER - CHRISTINA ROSSETTI

Ilustração de Dante Gabriel Rossetti, irmão da poetisa, para o livro Gobling Market and Other Poems.             Christina Rossetti foi uma poetisa inglesa do século XIX (1830-1894), proveniente de uma família de grandes talentos (pai poeta, irmão pintor e poeta). Começou a escrever muito cedo e se tornou uma das vozes femininas mais conhecidas da poesia vitoriana, juntamente como sua compatriota Elizabeth Barret Browning. Sua obra é caracterizada pelos temas do amor e da morte, assim como pelo misticismo religioso. O poema a seguir é um dos mais conhecidos de sua rica lírica. Ao lado do original, uma tradução livre, para que o leitor penetre o “sentido” do poema. Logo depois, uma breve análise e uma versão pelo nosso maior poeta, Manuel Bandeira.                                  ...

ZAÍRA E OS POETAS

                Não é todo dia que se é convidado para uma reunião de poetas. Especialmente quando não se é um, como é o meu caso. Mas escrevo também sobre poetas, e tomara que isso acabe me impregnando de algum modo, já que a poesia é um mistério que me assusta e fascina.             Fascina-me pela natureza de sua revelação: nem todos conseguem combinar as palavras de modo a obter o efeito poético. Alguns dirão, talvez a maioria, que tudo é uma questão de técnica e que poesia se aprende fazendo, que é um oficio de palavras, etc. Mas não é. Poesia supõe uma afinação entre emoção e palavra - qualquer que seja a emoção, sublime ou decadente – que não se obtém por simples querer. Ela não exige sequer um determinado nível de instrução ou cultura (como bem mostra Patativa do Assaré, “poeta da roça”, como ele mesmo se definia), pode surgir no ser e depois desaparecer (vejam o caso ...