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Mostrando postagens com o rótulo Crítica literária

HUMOR E PERFORMATIVIDADE DA LINGUAGEM de João Batista Martins

              Os linguistas são seres raros, desses que dissecam a língua como se fosse um porquinho da índia em um experimento de laboratório. Usam termos difíceis, próprios aos alquimistas (não tenho certeza, mas a verdade é que conheço linguística tanto quanto alquimia). Você pensaria que estão falando para extraterrestres, até descobrir que está por fora da língua pátria e confundiria um chiste com um uptaken, a ponto de não entender a graça que o doutor João Batista Martins aprontou desta vez.             Primeiro ele fez um doutorando no tema, usou geometria, os signos semiológicos do Barthes, o idealismo de Platão e outras mumunhas para falar de sua obsessão pelo humor enquanto linguagem. Mas, na refrega diária de um professor de escola pública, sobra pouco tempo para aventuras. Quando os alunos perdem o hábito do palavrão e buscam algo mais produtivo, como o dis...

O ESTIMADO LEITOR, E OUTRAS TOLICES DE AMOR ÀS LETRAS

Por France Gripp* LACERDA, Abrão Brito. O amor e outras tolices 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019.   “Paulo conheceu Joana, uma morena de olhos castanhos e cheiro de cravo, numa quermesse. Vê-se logo que isso foi há muito tempo, pois hoje só existem quermesses no interior do interior do Brasil e nos dicionários” (p.79). Assim se inicia o conto “O amor e outras tolices”, título que também o é do livro de Abrão Brito Lacerda, que é professor de idiomas, tradutor, blogueiro e autor também de Vento Sul (2012). Nota-se no trecho citado, que a primeira sentença convida o leitor a um passeio por uma tranquila paisagem de signos, mas a sentença seguinte faz com que essa expectativa se quebre. A ruptura desnorteia o leitor, que se vê assim, provocado ao humor e à ironia. Esses são alguns aspectos que modalizam o discurso narrativo do autor nesta coletânea de quinze contos. Juntos, o humor e a ironia fazem aflorar sorrisos na leitura, suavizam os efeitos dramáticos, dissimul...

CABARÉ DESCONSTRUTIVISTA - Uma leitura de Cabaré Nômade de Josefina Maria Murta Aranã

            Recebi o livro da Jô ontem, abri e li todo de uma vez. Hoje deito estas impressões de leitura, ao calor dos batimentos afetivos que sua obra singular desperta. A Jô é uma autora pouco conhecida, como eu (rerere) - antes de encontrar alguém que fale dos meus livros, falo dos de outros escritores, célebres ou não, pois sei que encontrar os leitores, ainda que em pequeno número, constitui a maior recompensa do escritor, a oportunidade de ouvir um comentário, uma maravilha, e ser objeto de uma análise, o sétimo céu.             A Jô em questão é a Josefina Mª Murta Aranã e seu livro é o Cabaré Nômade , uma brochurinha simpática, estilo mimeógrafo, recheada de ótimos textos. Confessadamente publicada “sem registro na Biblioteca Nacional e sem revisor oficial”, seu livro vai além do que ela imagina. Ela o queria um livro de humor, mas trata-se muito mais de um...

RUÍNAS

        Na canção “Fora de Ordem”, Caetano Veloso diz que, no Brasil, " tudo parece que era ainda construção e já é ruína".   Considero esta definição perfeita   e a incorporei a minha própria visão de nosso país. Agora, vejo que outros compartilham da mesma ideia, a saber, que o Brasil é uma máquina trituradora de coisas e conceitos, que parece estar em constante movimento, embora não saia do lugar.              Há um afã em recuperar o atraso, então faz-se tábua rasa de tudo, a natureza (exuberante só em alguns lugares), os monumentos, os costumes, a culinária, a língua, tudo sofre uma crescente invasão alienígena e se desfaz. Uma palavra do inglês deve ter mais valor do que seu equivalente em português, pois já não nos damos mais ao trabalho de traduzir. Adoramos colocar nossa identidade em cheque, é um debate nacional sem fim, imitamos descaradamente o que outros criam, somos os reis da gentileza e da paródi...

VAI FUNDO!

            (Imagem: lounge.obviousmag.com)                Tínhamos que nos perfilar no pátio da escola e cantar “eu te amo, meu Brasil, eu te amo; ninguém segura a juventude do Brasil”, depois do hino nacional. O lugarejo não tinha calçamento, mas ser professor ainda era alguma coisa, a gente dizia “sou aluno da Dona Antônia”, com uma ponta de orgulho.             Para as crianças, aquelas frases exaltadas evocavam alguma coisa a que eles pertenceriam, um lugar chamado Brasil; muito diferente, uma espécie de sonho.             Jogar bola na hora do recreio era bom demais. Difícil era ter a bola, as de plástico se desgastavam rapidamente sobre o piso de argila batida. E todos eram pobres, quase ninguém podia ter uma. Então, valia bola de meia e algumas unhas do dedão arrancadas. Alguns usavam congas...