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Mostrando postagens de 2019

KNIFE EDGE

  (Foto: Estado de Minas)             Fim de ano é tempo de confraternização e festas, mas também de viagens e tragédias, numa redundante causa mortis que suscita perguntas aos bem-pensantes. Do tipo: quando é que as pessoas vão perceber que a violência no trânsito é um reflexo direto de sua forma de agir ao volante?             Algo tão óbvio, já cheguei a me debruçar sobre o tema ao fim de mais uma viagem pelas estradas de Minas Gerais na crônica (injustamente) pouco lida que se intitulava sarcasticamente “Morrer!” (aqui neste blog). Tratei com ironia essa busca pelo caminho mais curto para debaixo dos sete palmos de terra de parte de alguns motoristas. Saudei o progresso sinistro que faz alguém enfiar uma moto debaixo de um caminhão e morrer em fração de segundo.             Os suicidas não têm mais desculpas para fracassar em seus planos.             Minha intenção era defender a vida, que anda muitas vezes por um fio em nossas estradas, especialmente para quem é do V

O DENTE E A DENTADURA

(Crédito imagem: vectorset)             Ao longo dos anos, tenho feito generosas contribuições à classe dos dentistas, sobretudo os ortos, que não são ursos, são ortodontistas. Aos tenros dezesseis anos, arrancaram-se sete dentes de uma vez, incluindo os quatro da frente, deixando um espaço vazio em minha vida que muito tem me custado preencher. Sobre a impermanência de que nos ensina o budismo, experimento-a mudando de sorriso a cada dez anos. Uma imensa vantagem em relação às pessoas comuns. Devo me considerar abençoado. Thanks, Nasrudin!             Antigamente as obturações eram feitas de metal, pretas, feias, mas resistentes. Você ficava com uma boca atleticana, preta e branca, mas o trem durava uma vida. E logo agora que a expectativa de vida se multiplicou eles passaram a usar resinas, que só podem ser made in China de tão frágeis, não aguentam osso ou pedra no feijão. Algumas não aguentam nem mesmo pão duro, que barbaridade! Os selvagens das cavernas podiam devorar a

LEITORES INOXIDÁVEIS

Leitores Inoxidáveis reunidos no Hotel Dom Henrique, Timóteo, MG             Recém-completou um ano o grupo de leitura denominado “Leitores Inoxidáveis”, mais uma grande jogada do Hotel Dom Henrique em parceria com a comunidade de Timóteo e região. Assim como o grupo de filosofia, que também fez primavera, o clube de leitores reúne-se mensalmente para debater uma obra literária previamente escolhida, em um ambiente livre e democrático, reunindo pessoas de idades e perfis os mais variados. Uma bela demonstração do que a cultura é capaz.             A cultura, enfim, palavrão na boca dos quadrados de plantão, tornou-se, mais do que uma necessidade, um ato de resistência, neste momento em que a ignorância é ostentada como trunfo ideológico.   Bordão do novo conservadorismo e seus censores velados e explícitos, a ignorância se propaga facilmente na época digital: com dois ou três dogmas repetidos ad nauseam e um enxame de robôs para multiplicar fake news, constroem-se mitos, ob

TOLICES?

Por Josefina Murta*             Li as 15 histórias da obra bem humorada “O Amor e Outras Tolices” pausadamente, degustando-a – como a ilustração convidativa da capa sugere e também porque leio 3 a 4 livros ao mesmo tempo.             Abrão Brito Lacerda, o autor, conheci-o nos idos de 83, na moradia estudantil de BH onde habitávamos e vivenciamos a cidade, o amor e os sonhos anarquistas da juventude de então. Abrão, baiano de Itarantim, historiador, professor, tradutor, blogueiro e escritor me surpreendeu com suas traquinagens linguísticas, remetendo-me à década de 80 como num turbilhão. Vieram-me imagens de lugares da capital mineira que jaziam engavetados na memória, como o Bar do Lulu, a antiga Fafich no bairro Santo Antônio, o Cine Pathé, as moradias ocupadas pelos estudantes e “becos” (moradores sem vínculo com a academia), chamadas de Mofuce e Borges, onde tudo era permitido e onde exercitávamos rupturas com a ordem estabelecida da mineiridade tradicional e conservado

O ESTIMADO LEITOR, E OUTRAS TOLICES DE AMOR ÀS LETRAS

Por France Gripp* LACERDA, Abrão Brito. O amor e outras tolices 1ª ed. – Maringá: Viseu, 2019.   “Paulo conheceu Joana, uma morena de olhos castanhos e cheiro de cravo, numa quermesse. Vê-se logo que isso foi há muito tempo, pois hoje só existem quermesses no interior do interior do Brasil e nos dicionários” (p.79). Assim se inicia o conto “O amor e outras tolices”, título que também o é do livro de Abrão Brito Lacerda, que é professor de idiomas, tradutor, blogueiro e autor também de Vento Sul (2012). Nota-se no trecho citado, que a primeira sentença convida o leitor a um passeio por uma tranquila paisagem de signos, mas a sentença seguinte faz com que essa expectativa se quebre. A ruptura desnorteia o leitor, que se vê assim, provocado ao humor e à ironia. Esses são alguns aspectos que modalizam o discurso narrativo do autor nesta coletânea de quinze contos. Juntos, o humor e a ironia fazem aflorar sorrisos na leitura, suavizam os efeitos dramáticos, dissimulam a

BRUNA E PENA BRANCA

  Ilustração de Romeu Célio para Vento Sul             Bruna é uma garotinha de 8 anos, pra lá de inteligente e ativa. Amante dos livros e dos animais, ela faz tudo que uma garota da sua idade costuma fazer, como brincar e colecionar dinossauros. Além de cavalgar, paixão que está herdando dos pais.             Nessa hora, todo cuidado é pouco. Crianças não devem montar em cavalos, naturalmente mais rápidos e ariscos, a menos que os mesmos sejam mansos como burros – ou como jumentos. Os pais de Bruna sabem muito bem disso e suas incursões sobre a sela se dão no lombo de uma mulinha pacata e preguiçosa, dessas que andam como quem está dormindo e só arriscam um trote quando sentem os golpes insistentes da taca no traseiro. Galope, nem pensar, isso é coisa para cavalos!             Quanto à leitura, Bruna anda de amores com as histórias do meu primeiro livro, Vento Sul, publicado em 2012. Primeiro, ela as ouviu, lidas pelo pai, e, agora que já lê por conta própria, carre

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(Imagem:studentnewsdaily)             Na fria manhã de Belo Horizonte, dois moradores de rua aquecem-se ao sol leitoso que atravessa as barras de edifícios. Estão lendo o jornal e comentando as notícias, com grande interesse, como se suas vidas dependessem de algum modo de decisões tomadas em Brasília.             - Tá vendo, aqui?   (mostra com o dedo imundo), estão querendo matar o presidente!             - E quem vai querer matar um homem santo como ele?             - Ele não é santo, é contra os aposentados, os índios e os sem-teto.             O outro mostra com o dedo ainda mais sujo outra notícia popular:             - Veja aqui: “carreta carregada de cocaína tomba no anel rodoviário e mata cinco.”             - O presidente agora é caminhoneiro?             Não é por comandar o país sem freio na língua que o capitão pode ser acusado de caminhoneiro. Muito menos dois sem-teto, va-ga-bun-dos! podem ser tomados como arquétipos da gente brasileira, que ama a