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EXTREMA DIREITA, VOLVER!



            Então os brazucas resolveram ir passear na praça enquanto o lobo não vinha.  Nem sequer imaginavam que o lobo estava entre eles, disfarçado de cordeiro, a caráter em seu uniforme verde oliva, metralha, botas, palavrões e ameaças - ameaças aos montes, proferidas com a mão sobre a bíblia e o dedo sujo em riste. Este é o argumento por excelência da Klu Klux Klan, da TFP e dos tabaréus do MBL. Desde as cavernas, catacumbas e bunkers, Ave, César!, os que vão morrer, vos saúdam. Prometemos não cagar de medo quando os guardas-pastores enfiarem o dedo em nossos... narizes, prometemos não desfalecer.  
            Seria cômico se não fosse cínico esse jeito tupiniquim de escamotear as coisas e chamar jacaré de iguana e chacal de meu pet. Vamos ser mais claros: assumir o país tal qual ele é, com suas diferenças e injustiças, é difícil demais para uma mulher e um homem de bem, portanto, aquela dose inevitável de hipocrisia e fingimento disfarçada de boa vontade deverá ser servida três ou mais vezes ao dia, pelo jornal insosso da manhã, os enche-linguiça do meio dia e os vomitantes confabulários das oito da noite. Acrescente-se uma pitada de má-fé inata e está feito o sarapatel de idioteza, mistura de idiotice com esperteza.
            Quem escolheu a intolerância, cultiva a intolerância dentro de si, quem se colocou ao lado de pastores e padres caretas sente saudades de seus dias de primeira comunhão, da palmatória e dos castigos da velha escola patriarcal. Estão doidos para perfilar e cantar “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo”, com a mão direita sobre o peito e depois levar tacadas na bunda e ajoelhar sobre grãos de milho para pagar por ter pecado por pensamentos, palavras e óbices.
            E ainda dizem que não acreditam mais na política! Convenhamos, é preciso muito crença para eleger presidente um capitão de qualquer coisa, de vida pública insignificante não fossem seus arroubos e diatribes, com um discurso salvacionista manjado, envolvido no papel alumínio da demagogia barata e ainda por cima com a mão suja da repressão que tão bem caracteriza os radicais de direita.  Na verdade, essa gente quer, contra todos os prognósticos e tendências, resolver na marra os problemas ou não resolvê-los de forma nenhuma, o que dá no mesmo, para que descansem em paz com  suas consciências de cidadãos frouxos  e irresponsáveis. Amai-vos uns aos outros é coisa difícil, mas com a ignorância acima do bom senso, a pátria acima de todos e a mão suja de sangue apoiada sobre a bíblia, tudo haverá de acomodar-se da pior maneira possível, na mais típica tradição tupiniquim, em que as elites se esbaldam e a ralé se afunda ainda mais. Depois que ensinou a Moisés os dez mandamentos, Deus se retirou em seu silêncio interrogante e passou a aceitar tudo que vem dos homens com infinita paciência. A prova é que as igrejas estão cheias de pedófilos, escroques e assassinos, todos pregando em nome de Deus. Como a coisa era boa demais para ficar restrita a alguns urubus de sacrário, os partidos políticos, assim como os presídios, passaram a explorar o filão da fé e se juntaram à maré crescente da extrema direita uivante.
            E se triunfaram tão bem no campo econômico, através do evangelho da prosperidade, nada mais natural que os ultra- conservadores partam firme para controlar a política, com a intenção, obviamente de, a partir daí, espalharem seus tentáculos sobre a sociedade e controlarem as mentes, espalhando teorias bisonhas como o criacionismo, a cura gay e a escola sem partido. Só divergem quantos aos moldes dessa ditadura, alguns a querem com a volta nua e crua dos militares, enquanto outros se contentariam com o controle dos canais de cultura, conhecimento e educação.  
            A mídia internaciona trata Bolsonaro como o “Trump brasileiro”. Isso não pode ser um bom sinal, a considerar o caos em que se converteu o governo americano, com sua administração baseada na bile do principal mandatário. Uma administração histriônica, em conflito aberto com os mais importantes órgãos da imprensa, da sociedade civil, da educação e da cultura.  Racismo, misoginia, falta de solidariedade e respeito, mentira, desprezo, nepotismo, conflito de interesses, tudo isso é moeda corrente nos corredores da Casa Branca. O que ainda sustenta Trump é a lealdade obrigatória do seu partido, o apoio da gente menos instruída que nele votou, sobretudo os caipiras do interior do país, além de grupos direitistas e ultradireitistas de diferentes pelagens, supremacistas brancos, evangélicos e por aí a fora.
            Como Trump, família e acólitos estão sendo investigados por diferentes órgãos do próprio governo americano, por crimes que vão de assédio sexual a conluio com os inimigos, não será surpresa se em breve Bolsonaro e quadrilha estiverem sendo igualmente investigados pelos males que prometeram combater, a saber, a corrupção, o crime organizado e o controle do estado por interesses partidários acima do interesse nacional.
                        Do Reino Unido vem outro exemplo de como a extrema direita ganhou terreno com base na manipulação das redes sociais via fake News e os discursos sectários do nacionalismo do supremacismo. Insuflados pela posição xenofóbica de algumas figuras até então insignificantes na vida pública, os eleitores mais velhos, do interior e de menor nível de escolaridade apoiaram o Brexit, ou seja, a saída do Reino Unido da União Europeia. Desde então o país mergulhou em uma profunda crise de identidade e no conflito entre diferentes grupos sociais e geracionais, do qual dificilmente sairá inteiro.
            Enfim, muito próximo de nós, o discurso salvacionista de Hugo Chávez e seu discípulo Nicolás Maduro. Ao levarem a Venezuela ao fundo do poço, eles mostraram que escolher o isolamento ao invés do diálogo é o pior caminho. Seja sob a égide do nacionalismo de direita, como nos Estados Unidos e no Reino Unido, seja sob a ditadura nacionalista da esquerda, como na Venezuela, os extremos demonstram que são no fundo uma coisa só e que sua consecução não passa de uma miragem que, ao invés de libertar, leva os povos a perderem suas referências e a entrarem em contradição com o mundo multifacetado da contemporaneidade.
            Foi por isso que o presidente da França, Emanuel Macron, advertiu recentemente contra o perigo dos discursos nacionalistas e exclusivistas. A cooperação e o entendimento devem ser o caminho natural para a sociedade e as nações, ele disse. Assim como os indivíduos, uma sociedade não pode se deixar levar por seus instintos mais baixos.
©
Abrão Brito Lacerda

15 11 18

                                   

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