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Mostrando postagens com o rótulo Portraits

1959

                               Entre os números cabalísticos não consta o 59.          Seria ele um número qualquer, como 1016 e 21, desses que se habilitam a saltar de bungee jump ou andar de monociclo na corda bamba, só para sair do ostracismo?          Muitas evidências indicam que não. Cinquenta e nove é um coroa enxuto, com muitas histórias pra contar. Meu pai, que não lia jornais e mal ouvia rádio, tinha uma estranha fixação por esse ano, ao qual reputava tudo de grave e importante que conhecia (ou supunha conhecer). Falava da grande enchente de 59, do fim da guerra (não sei a que guerra ele se referia), da copa de 59 (meu pai era totalmente ignorante em matéria de futebol e só poderia falar abobrinhas a respeito). Mais tarde eu tentei corrigi-lo, afirmando que a copa tinha sido no...

E AMANHÃ SEI QUE ESTAREI MUDO

               O budismo nos ensina que a razão da infelicidade humana são as ilusões e os apegos. As ilusões têm a ver com a falta de conhecimento do que constitui a verdadeira natureza da existência, por exemplo, quando ignoramos que a vida material constitui um ciclo que tende a desaparecer mais cedo ou mais tarde, assim como todos os demais fenômenos. O automóvel de luxo de hoje será sucata amanhã e o corpo duro de agora não passará de cinzas que alimentará os vermes dentro de alguns anos. Portanto, não devemos nos apegar a coisas e ideias, devemos aceitar o fluir permanente da vida, reaprender a cada dia, rever nossos conceitos à luz dos fatos.             Assim dito, até parece fácil, contudo o mundo em que vivemos nos educa exatamente no sentido contrário, qual seja, o de adquirir, possuir, acumular, além de classificar, separar, escolher e excluir o que não está dentro de um de...

CAI O QUEIXO

Neusa Santos 27 de dezembro às 05:58  ·  Bom dia , Matutina !          Para começar, uma nobre verdade: não conheço a Neusa. Pelo menos, não pessoalmente. Não se trata de uma ex-colega de faculdade, de alguém que virou celebridade de um minuto através de milhões de likes, eu a encontrei no perfil de um amigo e ela acabou se tornando também minha “amiga”. Fora isso, nunca a vi mais magra, a não ser nas selfies do Facebook. Mas como final de ano é uma época para mensagens altruísticas e não coisas do tipo “vejam minha ceia de Natal, gente como estou magra! Este é o meu bebê”, escolhi a Neusa como leitmotiv desta crônica, pois ela fala com o coração repleto de sinceridade.             A considerar por suas postagens, a rotina da Neusa começa bem cedo. Com os raios da manhã brilhando ao fundo da serra, eis sua selfie matinal: “Bom dia, Matutina!”. Sua cara de pera ...

Na foto de família, Lê é o de óculos, à direita.              Era como minha mãe o chamava, além do tio Rosentino, um apelido de família, conhecido de poucos, desses que tendem a desaparecer com a geração. Depois de desaparecidos pais, tios e primos, vai-se a memória de todo um grupo, com suas histórias e seu vocabulário. Foi o que aconteceu com o codinome Lê, um acrônimo para Lacerda, aqui nestas linhas resgatado pelo bem de uma dúzia de herdeiros e igual número de leitores.             Sendo um nome pronunciado por apenas duas pessoas, poderia ter um número limitado de nuances e conotações. Mas esta pode ser igualmente a fonte de um mistério ainda maior, digamos um segredo muito bem guardado ainda por vir à tona.             Lê acordava muito cedo, antes das galinhas, porcos e vacas que estavam no centro de suas preocupações, a...

ZAÍRA E OS POETAS

                Não é todo dia que se é convidado para uma reunião de poetas. Especialmente quando não se é um, como é o meu caso. Mas escrevo também sobre poetas, e tomara que isso acabe me impregnando de algum modo, já que a poesia é um mistério que me assusta e fascina.             Fascina-me pela natureza de sua revelação: nem todos conseguem combinar as palavras de modo a obter o efeito poético. Alguns dirão, talvez a maioria, que tudo é uma questão de técnica e que poesia se aprende fazendo, que é um oficio de palavras, etc. Mas não é. Poesia supõe uma afinação entre emoção e palavra - qualquer que seja a emoção, sublime ou decadente – que não se obtém por simples querer. Ela não exige sequer um determinado nível de instrução ou cultura (como bem mostra Patativa do Assaré, “poeta da roça”, como ele mesmo se definia), pode surgir no ser e depois desaparecer (vejam o caso ...