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O NOVO CICLO DO ATRASO

(Foto: Estadão)

            Qualquer tentativa de dissociar o governo Temer do governo Dilma é mera ilusão e não resiste aos fatos. Não apenas porque os dois foram eleitos juntos por duas vezes, mas também porque, ao quebrar o verniz ideológico que cobre o antigo partidão, o PMDB, e o novo partidão, o PT, damos com o mesmo caroço. Não foi por isso que fizeram uma aliança que sobreviveu por três governos e meio, na qual atuavam juntos como carne e unha? Que discordâncias havia no congresso entre os dois grandes aliados nos tempos das vacas livres? Apenas pequenas brigas de egos e disputas por cargos. Se houve algum cisma relevante, que alguém dê um passo adiante e se pronuncie. O casal que hoje parece improvável não trocava antes juras de amor eterno? Não loteara o congresso nacional: controle do senado para você e controle da câmera para mim? Os cargos comissionados, os controles dos órgãos e empresas públicas não eram rateados equitativamente, assim como a propina?
            A cada dia torna-se mais claro que a aliança PT-PMDB representou um ciclo na história recente do país, a ser analisado tanto do ponto de vista político quanto do social e econômico. Deixarei essa tarefa para os estudiosos, já que ela requer pesquisas e dados. Como simples cronista, assento aqui meu ponto de vista, avançando a premissa de que ela representou mais uma etapa populista de nossa história, que derrapou quando as fontes que davam sustentação ao arcabouço começaram a ser minadas pela crise econômica. Daí engendrou-se a insatisfação social que causou a queda de Dilma e, ao que indica o atual movimento dos caminhoneiros, sepultará antes da hora o decrépito governo Temer. Destino idêntico para duas figuras igualmente medíocres.
            Estão em marcha mais uma vez as engrenagens do declínio social, ainda que a economia continue a crescer em benefício dos 10% mais ricos. Como o quadro é dramático e vários setores estão à beira do sufocamento, é provável que movimentos como o dos caminhoneiros se tornem mais frequentes. São embates não ideologizados, de determinados segmentos mais organizados, mas sem uma clara filiação política. São movimentos reinvidicatórios que, ao atacarem as consequências, revolvem as causas. Na busca de soluções imediatas, com o objetivo de aumentar sua participação no todo, encampam o discurso do “povo”, substituindo, por desgaste mediático, a força que a precedeu. No entanto, no plano comum, continua o embate de todos contra todos, como se pode ver nas filas, nas estradas e nas redes sociais.  
            O congresso atual, eleito há dois anos, evidencia a ascensão da direita evangélica, ruralista e militar.          Muito mais do que uma heresia, trata-se da metamorfose inevitável da sociedade brasileira. Não são eles os legítimos representantes da gente que encontramos em toda parte: sem cultura mas com fanatismo, sem educação mas muito esperta, emotiva mas autoritária, moralista mas corrupta? Não são eles espelhos do ideário nacional, assim como os juízes, os empresários e demais membros da elite? Estão criando algo novo ou apenas exacerbando características endógenas?  
            As eleições de outubro e novembro próximos não vão trazer solução alguma, poderão até mesmo piorar o quadro, já que, com a desmoralização da classe política de um modo geral, não vai sobrar grão sem caruncho nesse saco. De um extremo a outro, todos unidos pelas grades da prisão ou pelas tornozeleiras eletrônicas! O senso comum de que chegou a hora de pagar a conta da farra dos anos triunfais de Lula, Cabral e cia. é o verdadeiro termômetro dessa realidade.
            Que movimentos ainda vão sacudir o país à medida em que as eleições se aproximam? Como se apresentarão os candidatos remanescentes, essas figuras sem carisma e sem political appeal? Em que águas turbulentas estará navegando esse barco no ano que vem? Não perderá quem apostar na piora do quadro social, ainda que a economia volte a crescer e que o ambiente de negócios fique cor de rosa para os 10% que ganham sempre.

©
Abrão Brito Lacerda
25 05 18

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