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Mostrando postagens com o rótulo Costumes

SEU MONTEIRO

                                                          Os motoristas de táxi desta cidade são todos aposentados de outras profissões. João Paulo é ex-bancário, Brás é ex-mecânico e Seu Monteiro foi operador de máquinas em uma usina siderúrgica, demitido em período de vacas magras.   Há mais de vinte anos dedica-se ao volante, profissão que abraçou como uma segunda natureza. Percorre as ruas da cidade onde nasceu várias vezes ao dia, conhece todos os caminhos, sinais e inclinações do sol. Funde-se à paisagem urbana como um auto móvel, está na praça, na estação, na rodoviária.             Além de recolher o passageiro em casa ou no trabalho na hora em que quiser. De manhã cedinho ou tarde da noite. Seu Monteiro é humilde, paciente e prestativo.  ...

CAMPEONATO MUNDIAL DA DENGUE

          (Imagem: www.programacombate.com)              Ao fazer uma vistoria na caldeiraria abandonada em frente, descobri vasos sanitários abertos e larvas de Aedes Aegyp ti nadando como peixinhos, além de um imenso tanque subterrâneo, transformado em balneário para mosquitos depois das últimas chuvas. Enquanto os insetos adultos disputam um espacinho à tona, dá para ver as larvinhas surfando de cabeça para baixo, como se estivessem na praia de Guarapari. Não será surpresa se essa pouca vergonha toda tiver sido financiada pelo BNDES!             O jeito foi telefonar para a Vigilância Sanitária:             - Alô!, é da Vigilância Sanitária?             - Não, é da Secretaria de Saúde. Em que posso ajudá-lo?   ...

PIQUENIQUE

(Imagem: www.emblibrary.com)              Piquenique é menos comum hoje em dia do que na época em que a palavra se escrevia com hífen. Por outro lado, o interesse decrescente entre nós a respeito corresponde ao confinamento em que vive a maioria dos citadinos.   Mas alguns povos ainda guardam esse hábito fundador da humanidade: desde os primórdios os homens sentaram no chão para comer, conversar e celebrar.             Os japoneses, por exemplo, lotam os parques no Hanami ou Festival da Floração da Cerejeira, quando celebram a chegada da primavera e das atividades ao ar livre. Colocam sobre o chão uma esteira, um tatame ou uma toalha, mais um cesto de víveres, e várias gerações se assentam no mesmo nível. Tradição oblige , aqui e ali, gueixas se deixam entrever sob a luz tênue das sombrinhas, tão discretas e cool que fazem pensar que é de seus suspiros que nascem os botões de cer...

TIRADENTES E ALEIJADINHO

Com projeto de Aleijadinho, a Igreja de São Francisco é uma obra-prima do barroco mineiro.               Aproveitando o recesso de julho, demos uma esticada até Tiradentes. Esperávamos encontrar uma cidade mudada, depois que virou locação de novela, cenário de festival gastronômico e destino de cinéfilos -quem sabe um lugar culto e refinado.             A cidadezinha de antigamente não diferia muito de outros lugares do interior de Minas Gerais e era mais conhecida dos livros de história do que das fotos dos turistas.  No ponto mais baixo, tinha a pracinha, sempre ocupada por hippies de diferentes plumagens, incluindo os argentinos,  dispostos a enrolar o freguês com seu portunhol malandro:             - Se lleva tres pulseras, se paga duas!          ...

PAPO POPULAR

Passei o ano de 2014 falando de minhas amigas, agora vou falar de alguns amigos. Afinal, homem também é importante, como dizia a Mae West, aquela que se casou 11 vezes. Não é porque a mulher cria e procria que vamos esquecer a outra metade da humanidade. E como estas são histórias verdadeiras, qualquer semelhança com pessoas bem vivas não será mera coincidência. Meu amigo José Roseira é o cara. Artista dos mais populares na rede, é difícil você se destacar entre os milhares que o seguem. Ficou até sem graça dar um “like” para a foto que ele acabou de postar, você se apressa com o dedo indicador, não precisa ser o primeiro, o quinto já bastaria, e aparece aquela mensagem: “Você e outras 598 pessoas curtiram isso.” Já o Plácido Domingues é um injustiçado. Todo dia milhares de pessoas ao redor do mundo o confundem com o famoso tenor espanhol e visitam sua página. Mas ninguém deixa comentários, ninguém “like”. Ele até virou cantor em um coral e tem refinado seus comentários so...

O DESEJO É UMA LEGGING PRETA

                      Foi-se o tempo em que o desejo desfilava por aí em jeans justíssimos! Ele agora bate pernas é de legging, uma peça simples, básica e disputada. Como pode ser?             A roupa foi inventada para proteger, lá no tempo das cavernas, quando não passava de peles grosseiras e embiras para mantê-las no lugar. Mas a civilização foi inventada e a arte de ocultar e revelar em igual proporção não tardou a aparecer. Se, para o homem, o caráter prático predomina, para a mulher há muito mais coisa em jogo. A vestimenta tornou-se um meio de sujeitá-la, de impedir seus movimentos livres, de enquadrá-la de um modo ou de outro. Neste quesito, a parte de baixo tem uma história reveladora: a calça comprida para o homem existe desde a Idade Média, mas só no fim do século XIX ela foi admitida, de forma restrita, para as mulheres, com o nome de "culotte". E só se popularizou depois da Segunda...

DIANTE DA VITRINE

(Foto: conexaoparis.com.br) Diante da vitrine, paro, sento, medito. Há um banco sobre o passeio, a vitrine da padaria com mil bolinhos, pavês, pãezinhos confeitados, mille-feuilles, tortas, éclairs, struddles, muffles, croissants, pudings e rocamboles. As línguas se misturam em meu desejo, minha consciência faz-se de juiz: “Seu lanche é às 17:30.” Por que nascemos com uma consciência, não bastariam o estômago e a vesícula? Nem sei para que serve a vesícula, sempre fui mal em aritmética e desconheço os cálculos biliar e renal. Mas sei das mil e uma utilidades do estômago, nosso segundo cérebro segundo os especialistas. Então, viva a consciência, essa porção de conjeturas que nos permite distinguir das espécies quadrúpedes, trípedes, bípedes e monípedes! - Quero quatro struddles. À merda minha consciência! - O quê? O senhor quer fazer uma confidência? - Desculpe, é minha consciência, sabe, a senhora provavelmente também tem uma. Está me dizendo que meu lanche é às 1...

UM RIO: ESTE

Banhando-me na foz do Rio Jequitinhonha, em Belmonte, Bahia.                Tendo nascido no município de Itarantim, no Estado da Bahia, e de lá saído quando começava a andar, não guardo nenhuma lembrança da minha terra natal.   Apenas uma certa nostalgia, que jamais desmistificarei: melhor manter o sítio numa aura mágica, como uma espécie de origem perdida que me impulsiona a estar buscando sempre.             Nasci em Córrego dos Trabalhos, mais precisamente, um lugar que não consta do mapa. Meu pai andou um dia inteiro a cavalo até chegar ao tabelião mais próximo, que ficava em Salto da Divisa, cidade situada no lado de Minas Gerais, nas margens do Rio Jequitinhonha, para me registrar. Deduzo que o dito córrego do meu local de nascimento desemboca em algum rio, que por sua vez deságua no Jequitinhonha como afluente, ligando minha vida de algum modo a esse mítico rio. Nascen...

BRASIL FUTEBOL CLUBE

(imagem: focusfoto.com.br)             Naquela época, a televisão ainda engatinhava e o rádio era o grande meio de comunicação de massa. Jornais não havia no lugar e, se houvesse, faltariam leitores. Cinema, só mesmo o que os meninos inventavam, uma película de plástico, recortada e colada em tirinhas, sobre a qual se desenhavam, a caneta esferográfica, aventuras dos heróis das fitas de cowboy. Entrada: 10 palitinhos de fósforo. Ainda assim havia filas. Quando a Copa do Mundo começou, as transmissões soavam distantes, pareciam vozes de outras galáxias ecoando através do espaço sideral. Nas ruas de terra batida, brincávamos, tentando imitar os lances contados e recontados pelos cronistas. Suprema democracia da infância: lado a lado jogavam Müller, Pelé e Bob Moore! As bolas de plástico já existiam, não precisávamos mais de bolas de meia. O único problema é que o plástico rompia-se facilmente em atrito com o chão á...

CHEZ LOUISETTE

            O mercado das pulgas nos ensina a ver o mundo de outro modo.           Uma cidade se conhece por suas ruas e sua gente, pelo que se ouve e se vê e também pelo que se cheira e se come. Por isso, quando viajamos, é importante ir além dos monumentos, buscar encontrar as pessoas comuns, experimentar os pequenos prazeres e arriscar o imprevisto. Bancar o transeunte, o intruso, o estranho, talvez. Em Paris, há inúmeros programas que nos permitem participar da vida local, fazendo o que os parisienses fazem, desde que conscientes de que a altura do nariz é proporcional ao status do lugar. No centro histórico, onde há mais turistas do que nativos, quase não se nota isso, afinal, é tudo uma questão de mercantilismo, comprar, pagar, ir-se, talvez para nunca mais. Mas, onde a multidão raleia e as trocas interpessoais tornam-se mais evidentes, isso se percebe claramente. O metrô funciona bem até as 23:30, quando passa...