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MORRER!


BR 381, trecho Timóteo - Belo Horizonte.

            A espécie humana evolui, a cada dia são incorporadas novas conquistas científicas e tecnológicas. Mas não abandona de todo os instintos dos tempos das cavernas ou dos gladiadores. Inteligência e estupidez não são incompatíveis, elas atuam lado a lado, e, quando a segunda predomina, é bomba!, costuma provocar acidentes e mortes nas estradas. Na Grécia Antiga, morria-se aos 25 anos, pois (quase) todos os homens válidos tinham que defender sua cidade e conquistar outras, através da guerra. Hoje a expectativa de vida ultrapassa os 80 anos, a morte demora a chegar. Uma vida assim pode ser longa demais para alguns, é natural que venha o desejo de encurtá-la.
            Uma das formas mais eficientes para se morrer subitamente é ao volante de um automóvel.  No trânsito, há aqueles que acham que devem andar mais rápido do que os demais, mesmo indo ao mesmo lugar. Outros se consideram ases, velozes e furiosos, mesmo quando a velocidade média não ultrapassa os 40 quilômetros. E dá-lhe buzinaços, fechadas, ultrapassagens pela direita, arrancadas queimando pneus antes do sinal abrir, avanço de sinal vermelho...
            Quando em cima de uma moto, a ousadia e periculosidade de alguns aumentam dez vezes. Passar no meio das fila de carros, a menos de vinte centímetros de cada lado, espremer-se na frente dos automóveis no  sinal, arrancar em ritmo de competição, viraram lugar comum.  Até parece que está escrito no código de trânsito: “ao parar no sinal, as motos devem ir para a frente e os outros veículos devem aguardar.” Direita ou esquerda, o problema é seu, moto vai para qualquer lado, aparece de surpresa nos cruzamentos, atravessa na toda, desvia-se de obstáculos, como pedestres e buracos, passa de raspão, voa sobre os quebra-molas... Até as mulheres, geralmente mais prudentes, estão pegando geral.
            Se estamos na estrada, então, os riscos sobem dez vezes, mas não a prudência de nossos concidadãos. E o resultado estampa as manchetes, infla as estatísticas, inferniza a vida de quem viaja. Um automóvel atravessa a pista e atinge um caminhão no sentido contrário. Quem foi o culpado? Salvo em caso de fatalidade, o motorista foi imprudente e estava trafegando em velocidade incompatível com o local. Mais adiante, em um trecho de muitas curvas, uma pick-up derrapa e vai parar no barranco com os pneus para o ar. Se o choffeur não era noviço, estava andando mais rápido do que devia. E, como explicar o caso desse outro que, alguns quilômetros adiante, foi parar debaixo da traseira de um caminhão que trafegava pelo acostamento? Estava fazendo ultrapassagens pela direita? Esse merece o prêmio de estúpido do ano, se sobreviver, porque nem todos têm a mesma sorte. Como o motoqueiro que foi atropelado por um caminhão na passagem de uma cidade pacata e sonolenta. O que se passou dessa vez? Ora, como caminhão é bicho grande, lento e bronco, o único jeito de uma moto ser atropelada por um deles é fazendo cabra-cega no trânsito.
            Enfim, em sã consciência, ninguém deveria morrer no trânsito. Porque o automóvel é uma bela invenção e um meio de locomoção muito prático, o melhor jeito de viajar em nosso país. O problema vem da combinação explosiva do carro a estupidez humana. Nesse caso, o automóvel se transforma em um predador voraz, um verdadeiro monstro da modernidade.
            Quanto à dama da foice e da caveira, dá-lhe igual. Podemos discutir, assim como a eutanásia, o direito de alguém encurtar sua viagem até os 80 anos. Podemos admitir que, antes de virar senil e pré-túmulo, alguém queira assinar uma declaração, tal qual um inventário, autorizando os médicos ou a família a desligar os tubos quando estiver perto da hora H? O mal está em provocar a morte alheia. Vida e morte são coisas muito particulares, cada um deveria se ocupar da sua. Não podemos deixar os estúpidos resolverem essa questão à sua maneira.
©
Abrão Brito Lacerda
20 08 17
           
           

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