Pular para o conteúdo principal

ZIRCÔNIA (2ª parte)


(A primeira parte deste conto encontra-se na postagem anterior, abaixo)

III

         Grande esforço fora desprendido ao longo dos séculos para a consolidação da era da plena luz, sorriso “Accomplished”, têmpera musgo, move, safira, zinco. Os sorrisos diferentes tinham sido relegados como bibelôs de uma era de futilidades, persistiam apenas na memória de alguns programas decadentes, que logravam subsistir de forma paralela, graças à carga F-Positive.
         Por isso a convocação do Concílio era uma ameaça letal para o povo de Tambling:
         - Devemos reverter a programação. Há três gerações (isto significava mais ou menos trezentos e vinte anos), somos obrigados a viver no limbo.
         - No limbo e na invisibilidade. Portamos disfarces A para nos parecermos com o povo Accomplished, mas não podemos sorrir.
         - A carga F-Positive nos garantirá a máscara de seriedade e poderemos continuar a freqüentar o povo Zenit ou Alpha e até compartilhar seus rituais.
         - Devemos auscultar o Concílio até a última inalação de têmpera zinco e descobrir o código reprogramador, caso contrário corremos o risco de sermos definitivamente apagados da memória Master.
         - Em nome dos Gateds, garantiremos a salvaguarda da missão, interpelou B-Gated-04. 
        - Nenhuma ação do Concílio passará despercebida. Cabe aos Smarts e Zanners prepararem o campo conversor.

         - Quem será tele-transportado para dentro do Concílio?
         - Nós, os Thrillers! Estamos loucos por uma aventura de verdade. Temos saudade da programação de Zircônia!
         - Não temos tempo a perder!, interpelou B-Zanner-XX. Todos a seus trajes!
         (Em oposição aos Gut-Alpha e Gut-Zenit, os Tamblings agora se auto-denominavam Bet: B-Gated, B-Smart...)
          - Só falharemos se a carga F-positive se incompatibilizar em contato com o ar rarefeito da têmpera zinco.
         - A carga F-positive foi inteiramente filtrada em conversores modais. Permite obliterar os defletores individuais, mantendo ao mesmo tempo um sorriso G-Alpha ou G-Zenit. Os intercomunicadores não sofrerão danos, por isso vocês serão, em princípio, imunes.
         - Aos compressores! Cada um ocupa-se de seu sensor individual de energia paralela. Iniciaremos imediatamente a desmaterialização.
        Isolados nos compressores de desmaterialização, seis Thrillers, dois Smarts e um Booster foram holografados para dentro do Concílio - e foi assim que se descobriram os últimos segredos de Zircônia.



       A carga F-positive os mantinha imunes à têmpera zinco – caso contrário seus sorrisos apareceriam e seriam destruídos imediatamente. A decisão de iniciar a reprogramação DNA, medida drástica que não se tomava em Zircônia deste a Era Safira, cor púrpura, era uma demonstração de que o controle do Concílio falhara mais uma vez e teriam que lançar mão da energia individual para tentar neutralizar os Tamblings.
       Descobrir o código desprogramador era, contudo, um desafio sem precedentes. Todo o saber dos Tamblings deveria ser mobilizado a partir dos dados coletados in loco. B-Smart-YZ e B-Zanner-SD pensaram em deixar os Thrillers no Concílio definitivamente, após valerem-se de seus préstimos de soldados do front. Eles eram incômodos demais.

IV


      
         O código desmaterializador de DNA era um componente essencial da têmpera, descobriram B-Smart-YZ e B-Zanner-SD. Os Accomplished (AAs e AZs) tinham receio em usá-lo, pois, uma vez revestido seu segredo, o domínio que exerciam sobre a civilização do século XXVI estaria ameaçado.
        Mas, por que desejar o fim da civilização A? Harmonia e longevidade reinavam através de uma simples absorção de pílulas e têmpera diária. A têmpera consolidou-se a partir da era musgo, mais ou menos em finais do século XXIII. Os defletores portáteis acoplados garantiam a cada um seu suprimento diário.
         2.287 foi o ano do Great Gig in the Sky - festival de niddle music.
         Pelos menos até atingirem o limiar dos 100 anos, ritual de passagem para a 4ª idade, todos em Zircônia partiam em alguma Gig, longas viagens que se faziam com  drops niddle sob a língua, liberando todos os sorrisos e cores. A niddle music rompia o programa padrão e o ser voltava a seu default inicial, sem lapsos ou censura.
          Quando a primeira tribo T, os Treppies, descortinaram-se nos defletores portáteis, foram imediatamente obliterados através da reprogramação DNA e reconvertidos em sorriso A, de “Accomplished”. O mesmo aconteceu com os Gengies. Só quando os Smarts e Boosters descobriram a carga F-positive, puderam subsistir com sorrisos diferentes. Vieram então os Zanners, os Smarts, os Ups, os Boosters e, enfim, os Thrillers e consolidaram Tambling, inspirado no movimento dos dados que se movem, mostrando a cada volta um número diferente.
         - Código M-M-S-Z. A têmpera zinco nada mais é do a combinação de Musgo, Move e Safira!
         - Se revertermos quatro séculos, até princípios de 2.200, poderemos descobrir o segredo da têmpera .
        B-Smart-YZ e B-Zanner-SD estavam exultantes. Suas pesquisas com as equações elípticas rendiam finalmente seus primeiros frutos. 



         - Os Zanners constituirão a força de observação. Nenhum dado do sistema solar em 2.220 deverá ser negligenciado. B-Gated-TM e B-Up-KL controlarão o fluxo temporal.
        - Em 2.220 não havia troylers, balões pressurizados ou netplanes.
         - Mais havia ainda motores a combustão e “auto-estradas”.
         - Roupas individuais também existiam. O traje padrão com emissores ultra-sensíveis (capazes de fornecer milhões de informações simultâneas), só foi criado quase um século depois.
          - O domínio de Alphas e Zenits sobre Zircônia não haverá de perdurar para sempre!
          Ups, Zanners, Smarts, Boosters, Thrillers e Gateds mudaram para a freqüência W (de Watch Out). Após séculos de disfarce, voltariam à luz.
         - Não levaremos nenhum Thriller, pois poderão saturar o ambiente e perturbar a vida lenta de então.
        - Modelos dos vários sorrisos encontrados deverão ser registrados nos campos de memória perene.
         - Milhares, milhões de sorrisos?
        - Bilhões de sorrisos. Zircônia tinha 13 bilhões de seres e, fora os povos das regiões geladas, todos os outros sorriam.
        - As células fotozínicas não haviam sido inventadas, a luz solar prevalecia.


        Prepararam a desmaterialização e o tele-transporte para o século XXIII. Como personagens de uma animação, desapareceram sem estrondo ou fumaça em direção a 2.220, à simples pressão do botão Start.


(Abrão Brito Lacerda)

Comentários

  1. É Abrão, sua imaginação tá pra lá de fértil. Teremos mais viagens desse tipo?
    Grande abraço e boa semana para você e família!

    ResponderExcluir
  2. Tá faltando é tempo para soltar a imaginação, como você pode ver pelo intervalo das postagens. Esta semana termino um trabalho de tradução que já dura três meses (!) e voltarei à escrita. Na sequência, mais uma história futurista.

    Boa semana p/ você também. Vamos nos ver.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Gostaria de deixar um comentário?

Postagens mais visitadas deste blog

PAULO LEMINSKI: POESIA DO ACASO

Falarei do acaso para falar de Paulo Leminski (1944 – 1989), um dos poetas modernos que mais admiro e que leio com mais prazer. Pretendo transmitir um pouco da fruição que sinto ao ler seus poemas, como, por exemplo, o prazer do inesperado:          eu ontem tive a impressão que deus quis falar comigo         não lhe dei ouvidos quem sou eu para falar com deus? ele que cuide de seus assuntos eu cuido dos meus Você achou o poeta petulante demais? Ora, ele está apenas fingindo uma humildade que não possui, pois, enquanto artista, deve buscar o absoluto, o não dito. Deve rivalizar-se com Deus (seus assuntos são tão importantes quanto os do Criador, ora bolas!).          Acadêmicos e gente que adora esfolar o cérebro dirão que o acaso não existe, mesmo na arte, que tudo é obra de saber e técnica, etc., etc. Mas apreender o acaso é tudo que o artista busca. Mallarmé (vejam minha postagem de 17 de março de 2012 sobre o poema Salut ), o mestre que faz os

TSUNESSABURO MAKIGUTI: A EDUCAÇÃO COMO CRIAÇÃO DE VALORES

                Mais conhecido como fundador da Soka Gakkai, sociedade laica japonesa que atua pela promoção da paz, cultura e educação, Tsunessaburo Makiguti (1871 – 1944) teve uma vida intensa, pontuada por momentos dramáticos. A começar por sua origem, no seio de uma família pobre do noroeste do Japão. Aos três anos de idade, foi abandonado pelos pais após sua mãe tentar suicídio, atirando-se com ele nos braços no mar do Japão. Foi adotado por um tio, com o qual viveu até os 14 anos e, posteriormente, foi morar com outro tio. Começou a trabalhar cedo e, com grande dedicação, concluiu o curso normal, tornando-se professor primário e também diretor de escola, função que ocupou por mais de vinte anos.             Foi das anotações sobre suas experiências didático-pedagógicas que surgiu o seu segundo livro, Soka Kyoikugaku Taikei ( Sistema Pedagógico de   Criação de Valor es ) , publicado em 1930, em parceria com seu amigo e colaborador Jossei Toda.              Os dois prime

IBIRAJÁ

            Ibirajá é uma vila do município de Itanhém, no Extremo-Sul da Bahia. Fica às margens do Rio Água Fria e possui um lindo sítio, entre montanhas e campos de verdura. Quem ali morou no auge de seu progresso, nos anos 1960 e 1970, impulsionado pela extração de jacarandá na mata atlântica e o garimpo de águas marinhas nas lavras do Salomão, jamais esqueceu. Era um lugar primitivo, onde se misturavam baianos, capixabas, libaneses e italianos. O orgulho nativo continua em alta com os atuais moradores, que mantêm um ativo grupo no Facebook.             Entre o Ibirajá e as Fazendas Reunidas Coqueiros, localizadas a 9 km a jusante do Rio Água Fria, passei minha infância. A força telúrica da visão infantil e a poesia intensa dos eventos nascidos da vida bruta de antanho inspiraram meu livro Vento Sul, que agora ganha um novo interesse, no momento em que publico o segundo, de temática totalmente diferente.             Vento Sul é um inventário de minha infância. Eu o via co