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NA TERRA DA FANTASIA COM IARA ALVES




            Iara Cardoso Alves de Belo Horizonte é uma “veterana” no campo da literatura infantil com mais de uma dúzia de títulos publicados, cobrindo leitores da primeira infância até o infanto-juvenil.
            Imaginação abundante e “loufoque”, com coisas e situações fora do lugar, se organizando na forma de um bric-à-brac, constituem o fio narrativo. As histórias terminam mas deixam sempre a impressão de que poderiam continuar.
            O jeito loufoque permite a Iara se colocar facilmente na pele de uma criança ou de um animal e imaginar traquinagens à beça. A rainha Victória, do livro homônimo, adora aprontar a zorra em seu próprio castelo, onde todos, a começar pela própria rainha, além do príncipe Boulevard, do Conde Ferdinando e da princesinha Tainah são malucos a valer:

            “Diziam que ela tinha
            Poderes mágicos e até
            O dom de ver tudo de
            Cabeça para baixo.”

            Quando se junta às crianças do reino, então, o castelo é literalmente virado de cabeça para baixo. A farra começa com a turma dançando, rodando, cantando e escondendo-se “em armários, debaixo das mesas, atrás das portas e das cortinas.”
            A rainha aproveita pra aprontar das suas e:
            “de vez em quando,
            as latas de doce e
            os potes de balas
            saíam flutuando
            das despensas e
            viravam na cabeça
            dos meninos.”


            E não para por aí, pois a encapetada é tomada do prazer de tudo subverter e não poupa nem o próprio castelo:




            “- Sinsalamim! Asa de cobra!
            Perna de lagartixa! Olho de tacho!
            Faça o meu castelo ficar de cabeça para baixo!”

            E lá se vai o castelo da Victória pelos ares.

            Outro dos seus livros, Mamãe, amanhã é hoje?, se dirige à primeira infância, apesar da história relativamente encorpada e da narrativa no pretérito perfeito, que supõe que na maioria das vezes um adulto irá ler para a criança.
            Trata-se da história de um menino que ficou longe do pai e teve que construir com a mãe um mundo imaginário para preencher essa ausência. Às vezes ele “desenhava carrinhos, aviões, casas, cachorrinhos, bolas, corações”, e às vezes se punha a “vigiar o sol e a contar as luas”, tentando dar conta da passagem do tempo.  O pai finalmente chega e o menino se desmancha de felicidade.
            Histórias como essa última demonstram outro talento de Iara, imprescindível para se prosperar nesse gênero especial da literatura, que é a capacidade de observar o mundo da criança e extrair dele a essência para construir narrativas que façam sentido para ela.
©

Abrão Brito Lacerda

29 01 17

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