Assim
dito, até parece fácil, contudo o mundo em que vivemos nos educa exatamente no
sentido contrário, qual seja, o de adquirir, possuir, acumular, além de
classificar, separar, escolher e excluir o que não está dentro de um
determinado padrão, o que constitui, sob qualquer ponto de vista, uma medida
falsa.
É
quando a vida preciosa desaparece em um átimo que nos damos conta de nosso o
erro e relativizamos (ainda que por breve tempo) o alcance de nosso pequeno
mundo e nos damos conta das fantasias que cultivamos.
Estas
reflexões me vêm à mente quando sou surpreendido com o desaparecimento de uma
pessoa de minhas relações, não um parente ou amigo chegado, mas um conhecido e
parceiro com quem compartilhei uma relação de respeito nesta cidade do
interior, onde aqueles que não fogem das ruas e dos contatos comuns acabam
fatalmente se cruzando. Trata-se do senhor José Geraldo da Silva, um jovem aposentado
que exercia ultimamente a profissão de eletricista.
Nada
sei da sua vida fora de nosso contato profissional, mas posso afirmar que se
tratava de um homem de grandes qualidades. Tratava, cumpria, realizava as
tarefas com capricho e boa vontade, cobrando o preço justo para tal. E era uma
ótima prosa, demonstrava discernimento e sensibilidade, cultivava as relações
com o respeito dos que enxergam além das aparências.
Passei
a conhecê-lo, não me lembro bem como, através de uma indicação, talvez. Com o
tempo, tornou-se uma referência para mim quando se tratava de realizar serviços
elétricos ou buscar outro profissional. Instalar um ventilador, consertar uma
máquina, encontrar um serralheiro, um vidraceiro, um encanador, onde procurar?
A solução era ligar para o seu José Geraldo, ele conhecia todos os
profissionais da cidade, recomendava os honestos e confiáveis. De tal modo que
boa parte dos equipamentos de minha casa e local de trabalho contem suas
digitais. Os quadros da parede foram todos fixados com o uso de sua furadeira
(emprestada com toda a boa vontade), assim como o novo mapa mundi gigante que
faz a alegria dos meus alunos e a nova ducha da casa - que ele instalou
anteontem, um dia antes de morrer!
Por
um desses acasos que fogem a nossa compreensão, mandei-lhe uma mensagem
informando que seria preciso trocar a resistência da ducha, pois eu tinha me
enganado quanto à voltagem. O retorno foi o comunicado do seu falecimento,
ocorrido algumas horas antes. Cada ofício tem seus vícios, é preciso cuidar-se
sempre. Durante a realização de um serviço de eletricidade, ele
desequilibrou-se e caiu da escada, vindo a bater com a cabeça no chão e
falecer. Assim, sem qualquer outro motivo, aos 61 anos de idade, alegre,
sorridente e calmo. Um dia antes ele tinha ido à minha escola apanhar a furadeira,
que mais uma vez tinha me emprestado. Foi o nosso último contato em vida.
Tratava-me
cortesmente de professor, como todos aqueles que por mim têm apreço. Deixo aqui
expressas a seus familiares e amigos minhas sentidas condolências e uma última homenagem na forma desses versos de Cecília Meireles:
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada."
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada."
©
Abrão Brito Lacerda
15 03 19
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