Pular para o conteúdo principal

CRAZY HAPPY PEOPLE



Doutor, eu não me engano,
O Bolsonaro é miliciano!!!

            Se Carnaval não servisse para vilipendiar os déspotas e escrachar os babacas, o que sobraria? Um nariz de palhaço, um baby-doll transparente, uma fanfarra desafinada, algumas cenas circenses, músculos, pulos, glúteos e olhe lá. Felizmente, a massa descarada não está nem aí. Assume a festa de pleno direito e pulmões, quer se soltar, precisa dizer o não dito, extravasar o indizível, preencher o interstício que a festa momesca representa no ritmo da engrenagem moderna de moer carne humana e erigir no lugar um monumento de fúria e vento, desdém e consolo, tudo ao mesmo tempo, a chaga e a penicilina. Quando uma cidade se permite sair à rua e reocupar os espaços reservados às máquinas e ao movimento humano produtivo, dá-se uma verdadeira revolução. Os relógios tornam-se meros ornamentos, o lugar é este e não outro, o tempo é agora ou nunca. Viva a loucura, a loucura viva, viva-a!
            Que dizer então dos que celebram o aniversário em pleno Carnaval? É aquilo ou acaso? O crazy happy people já sobreviveu a muitas, não vai se render ao primeiro peido do capitão. Ele e seu séquito de bajuladores que aluguem uma mula e se mudem pra Malásia. A terra é nossa, a festa deve continuar.
            Para excitar ainda mais os nervos da turba, nada como ler em voz alta Bacanal de Manuel Bandeira, afinal, o velho bardo é mais “in” do que os sopros pretensiosos das artes libertinas e liberais que povoam o universo online:

Quero beber!
Cantar asneiras...
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco...
Evoé Baco!

Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada
A gargalhar em doudo assomo...
Evoé Momo

Lacem-na, todo, multicores,
As serpentinas dos amores
Cobras de lívidos venenos...
Evoé Vênus!

Se perguntarem: Que mais queres
Além de versos e mulheres?...
Vinho!... o vinho é que o meu fraco...
Evoé Baco!

            Se tomo a liberdade de buscar tão longe uma referência ao Mardi Gras, que neste ano coincidiu com o aniversário de uma amiga, é porque os acoitos do capitão nas terras de Minas Gerais foram tomados pelo doudo assomo de censurar a manifestação popular. Imaginem, para poupar o chefe da língua afiada da gentalha, os homens de farda e cinturão tentaram impor uma ordem monástica aos desfiles de Carnaval! É rir para não cair na gargalhada. O crazy happy people ergue taças transbordantes, brinda ao prazer que ronda a cobertura de Santa Teresa e sobe na forma de gritos e fanfarras pela escadaria. Daqui do alto contempla o sol sanguíneo e as invocações estampadas nos rostos e nos panfletos, dizendo que é proibido proibir.
            Antes que as ruas e praças sejam novamente ocupadas pela mesma multidão em modo inverso, com trajes formais e cabeças postas no trabalho, que soem tambores e metais, no ritmo alucinante do frevo, do axé e do xaxado:
            Evoé Baco!

©
Abrão Brito Lacerda
08 03 19
           


Comentários

Postar um comentário

Gostaria de deixar um comentário?

Postagens mais visitadas deste blog

PAULO LEMINSKI: POESIA DO ACASO

Falarei do acaso para falar de Paulo Leminski (1944 – 1989), um dos poetas modernos que mais admiro e que leio com mais prazer. Pretendo transmitir um pouco da fruição que sinto ao ler seus poemas, como, por exemplo, o prazer do inesperado:          eu ontem tive a impressão que deus quis falar comigo         não lhe dei ouvidos quem sou eu para falar com deus? ele que cuide de seus assuntos eu cuido dos meus Você achou o poeta petulante demais? Ora, ele está apenas fingindo uma humildade que não possui, pois, enquanto artista, deve buscar o absoluto, o não dito. Deve rivalizar-se com Deus (seus assuntos são tão importantes quanto os do Criador, ora bolas!).          Acadêmicos e gente que adora esfolar o cérebro dirão que o acaso não existe, mesmo na arte, que tudo é obra de saber e técnica, etc., etc. Mas apreender o acaso é tudo que o artista busca. Mallarmé (vejam minha postagem de 17 de março de 2012 sobre o poema Salut ), o mestre que faz os

TSUNESSABURO MAKIGUTI: A EDUCAÇÃO COMO CRIAÇÃO DE VALORES

                Mais conhecido como fundador da Soka Gakkai, sociedade laica japonesa que atua pela promoção da paz, cultura e educação, Tsunessaburo Makiguti (1871 – 1944) teve uma vida intensa, pontuada por momentos dramáticos. A começar por sua origem, no seio de uma família pobre do noroeste do Japão. Aos três anos de idade, foi abandonado pelos pais após sua mãe tentar suicídio, atirando-se com ele nos braços no mar do Japão. Foi adotado por um tio, com o qual viveu até os 14 anos e, posteriormente, foi morar com outro tio. Começou a trabalhar cedo e, com grande dedicação, concluiu o curso normal, tornando-se professor primário e também diretor de escola, função que ocupou por mais de vinte anos.             Foi das anotações sobre suas experiências didático-pedagógicas que surgiu o seu segundo livro, Soka Kyoikugaku Taikei ( Sistema Pedagógico de   Criação de Valor es ) , publicado em 1930, em parceria com seu amigo e colaborador Jossei Toda.              Os dois prime

IBIRAJÁ

            Ibirajá é uma vila do município de Itanhém, no Extremo-Sul da Bahia. Fica às margens do Rio Água Fria e possui um lindo sítio, entre montanhas e campos de verdura. Quem ali morou no auge de seu progresso, nos anos 1960 e 1970, impulsionado pela extração de jacarandá na mata atlântica e o garimpo de águas marinhas nas lavras do Salomão, jamais esqueceu. Era um lugar primitivo, onde se misturavam baianos, capixabas, libaneses e italianos. O orgulho nativo continua em alta com os atuais moradores, que mantêm um ativo grupo no Facebook.             Entre o Ibirajá e as Fazendas Reunidas Coqueiros, localizadas a 9 km a jusante do Rio Água Fria, passei minha infância. A força telúrica da visão infantil e a poesia intensa dos eventos nascidos da vida bruta de antanho inspiraram meu livro Vento Sul, que agora ganha um novo interesse, no momento em que publico o segundo, de temática totalmente diferente.             Vento Sul é um inventário de minha infância. Eu o via co