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MENTIRAS, MENTIRAS, MENTIRAS




            Este mundo está cheio de mentirosos. Onde vamos parar? Conto aqui apenas alguns casos plausíveis e menos risíveis, pois as mentiras cabeludas estão nos jornais e nos noticiários de TV e são consumidas avidamente por milhões de cínicos.
            E por falar em cínicos, o que seria do mentiroso sem o justo apoio da parcela da humanidade que adora enfiar o pé alheio na lama? O mundo certamente andaria para trás e sem nenhuma contribuição dos menos avisados.
            Antes, os pais do Joãozinho queriam que ele saísse da frente da TV, agora se enervam porque ele só desgruda do computador para logar no smart e vice-versa. E não há nada que irrite mais os pais do que filho que não desgruda da telinha – isso é um direito exclusivo dos adultos, pensam. Passar o dia inteiro de olho no whatsapp para conversar abobrinhas com os amigos distantes enquanto despacha no escritório é coisa perfeitamente normal.  Depois, é a mãe quem deve fazer as vezes de viva voz para o Joãozinho:
            - Vá escovar os dentes e depois tomar banho!
            - Mas ainda não lanchei.
            - Vai dormir sem lanche. Quem dorme, janta, diz um ditado francês.
            Algumas senhoras maduras ainda não caíram do cacho, mas é difícil dizer gracinhas a quem pensa mais nas filhas do que em si próprias, nisso o mundo tem dois pesos e duas medidas.
            Ver charme em rugas não é para qualquer um, portanto, baixemos o nível, esta crônica é para todos, vamos ao que interessa, como a linha dos seios, quando esta ainda mantém o equilíbrio ascendente, que é onde reside toda a graça. Ninguém quer coisas que apontam para baixo, a não ser a inflação. A linha da cintura, quando esta ainda exibe harmonia com o que está imediatamente acima ou imediatamente abaixo, perdoem-nos o papa e os papais.
            Você então depara com aqueles rugas que não conseguem retirar o charme e a atração da dama, tal qual a casca estriada do jenipapo que guarda o suco oloroso por dentro. E você ensaia:
            - A senhora me faz pensar...
            - Pensar em quê? ela indaga irritada, pois para entender certas insinuações meia palavra basta.
            - Pensar no marido que a senhora tem, que tive o prazer de conhecer, homem que valoriza a joia que conquistou e não a deixa envolver-se com escórias de nenhuma natureza.
            Que argumento covarde! O certo deveria ser:
            - Pensar nas belas filhas que a senhora tem, as quais herdaram sua distinção e inteligência.
            Este é mais covarde ainda. O certo mesmo é:
            - Pensar que a beleza melhora com a idade como o vinho.
            Desisto.
            Viver pela verdade é uma faca de dois gumes. Como confessar para o seu chefe que você se atrasou porque dormiu demais se você o deixará feliz se disser que foi visitar um cliente a caminho do trabalho para ganhar tempo? O mundo é dos mentirosos, definitivamente. Esse tipo de mentira pode valer uma promoção.  É diferente da mentira cabeluda, aquela que você não tem tempo de bolar direito e aí sai de qualquer jeito – resultado, todos descobrem que você mentiu.
            A mentira tem pernas curtas, mas vai longe. Vejam as redes sociais, verdadeiros covis de mentirosos. Mentiras espirituosas, mentiras para o café da manhã, acompanhadas de receitas de bolo, mentiras venais, lúgubres, pérfidas, mentiras politizadas, de direita e de esquerda, mentiras anárquicas e terrorísticas, mentiras banais. Contar mentiras virou um passa tempo, como escrever crônicas. O difícil é começar.
©
Abrão Brito Lacerda
18 02 18
           

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