Pular para o conteúdo principal

OUVI NA RUA



            Tá difícil ler os jornais. É tanta notícia cabeluda que dá vontade de gritar como na música de Sérgio Britto: “Pare o mundo que eu quero descer!” Nem o Facebook escapa ileso, agora até o Mark Zuckerberg, seu criador, passou a acessar a rede com a câmera tapada com fita crepe - para não ser vigiado!
             Tem hora que é preciso fugir das mídias que tentam nos governar e ir ver a gente em redor, gente comum – oh yeah! Como diria um amigo – como os que cruzam comigo quando atravesso a faixa de pedestres em direção à padaria.
            Passo pelo ponto de táxi. Alguém grita para o taxista, escorado no carro:
            - Sebastião, não fica olhando para cima, vai cair “reboque” no seu olho!
            Sebastião, o taxista, é um grande barbeiro. Peguei seu táxi algumas vezes, mas tive que parar quando ele faltou entrar debaixo de um ônibus em uma esquina! E não é diferente dos outros taxistas da cidade, todos aposentados e alguns já sem bons reflexos para a direção.
            Na falta de passageiros, Sebastião fica olhando os operários em cima do andaime. E não é que caiu reboco de verdade? Alguns pedestres que estavam passando e imitaram o gesto de Sebastião saíram esfregando os olhos. Ele só teve o trabalho de limpar as lentes dos óculos.
            Na frente da Drogaria Pacheco, um senhor de chapéu me para para pedir informação:
            - É aqui o Pacheco?
            - A Drogaria Pacheco? – É sim, senhor.
            Ele me estende um papel, parecido com uma receita, mas que é, na verdade, um recado: “Dr. Pacheco, galeria Art Center.”
             Tenho que lhe explicar:
            - O senhor está procurando o Dr. Pacheco, dentista. Siga em frente, depois vire à direita, prédio da esquina.
            Oh yeah! No interior tem dessas coisas.
(Imagem: ouvinasruas.tumblr.com)

            Na frente da casa lotérica tem um caminhão da “Transeguro” fazendo coleta de valores. Dois agentes estão postados, fuzil na mão e olhar de 007, um na frente e o outro atrás do carro forte. De repente, o motorista dá marcha a ré e um deles é atingido na bunda! Eu achava que essa era uma profissão arriscada apenas nos filmes de Hollywood e nas crônicas do caderno B.
            Quando estou de volta, quem encontro na faixa de pedestres? Dra. Narita, a aluna que cancelou a aula e me permitiu a escapada para o lanche:
            - “Bofessor”, “Dô” com uma rinite daquelas. Não consigo nem “balar” direito.
            - É verdade, você tá com a cara constipada.
            - “Tibe” que cancelar meu “blandão” no hospital.
            - Tem que se cuidar, os pacientes precisam de você.
            - A gente “gansa” de “domar” antialérgico.
            - Já foi ao médico, doutora? – digo, só pra descontrair.
            - Que isso! “Dô” fugindo de médico!
            Tem explicação?
©
Abrão Brito Lacerda
26 06 16



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

IBIRAJÁ

            Ibirajá é uma vila do município de Itanhém, no Extremo-Sul da Bahia. Fica às margens do Rio Água Fria e possui um lindo sítio, entre montanhas e campos de verdura. Quem ali morou no auge de seu progresso, nos anos 1960 e 1970, impulsionado pela extração de jacarandá na mata atlântica e o garimpo de águas marinhas nas lavras do Salomão, jamais esqueceu. Era um lugar primitivo, onde se misturavam baianos, capixabas, libaneses e italianos. O orgulho nativo continua em alta com os atuais moradores, que mantêm um ativo grupo no Facebook.             Entre o Ibirajá e as Fazendas Reunidas Coqueiros, localizadas a 9 km a jusante do Rio Água Fria, passei minha infância. A força telúrica da visão infantil e a poesia intensa dos eventos nascidos da vida bruta de antanho inspiraram meu livro Vento Sul, que agora ganha um novo interesse, no momento em que publico o segu...

PAULO LEMINSKI: POESIA DO ACASO

Falarei do acaso para falar de Paulo Leminski (1944 – 1989), um dos poetas modernos que mais admiro e que leio com mais prazer. Pretendo transmitir um pouco da fruição que sinto ao ler seus poemas, como, por exemplo, o prazer do inesperado:          eu ontem tive a impressão que deus quis falar comigo         não lhe dei ouvidos quem sou eu para falar com deus? ele que cuide de seus assuntos eu cuido dos meus Você achou o poeta petulante demais? Ora, ele está apenas fingindo uma humildade que não possui, pois, enquanto artista, deve buscar o absoluto, o não dito. Deve rivalizar-se com Deus (seus assuntos são tão importantes quanto os do Criador, ora bolas!).          Acadêmicos e gente que adora esfolar o cérebro dirão que o acaso não existe, mesmo na arte, que tudo é obra de saber e técnica, etc., etc. Mas apreender o acaso é tudo que...

TU ES PLUS BELLE QUE LE CIEL ET LA MER: Un poème de Blaise Cendrars

             Feuille de titre, avec dessin de Tarsila do Amaral           C’était en 1983, je crois. J’étais chez un ami traducteur, avec qui je passais des heures à brûler des joins, essuyer des scotchs et rouler les mots à propos de tout et de rien. Une échappée belle dans sa bibliothèque et j’en suis sorti avec un petit livre de la taille d’un paquet de cigarette, que j’ai commencé à lire au hasard – une page, deux... et, tout de suite, cette merveille : Tu es plus belle que le ciel et la mer Quand tu aimes il faut partir Quitte ta femme quitte ton enfant Quitte ton ami quitte ton amie Quitte ton amante quitte ton amant Quand tu aimes il faut partir Le monde est plein de nègres et de négresses Des femmes des hommes des hommes des femmes Regarde les beaux magasins Ce fiacre cet homme cette femme ce fiacre Et toutes les belles marchandises II y a l'air il y a le vent Les m...