Pular para o conteúdo principal

APERTEM OS PARAFUSOS, O FUTURO CHEGOU!



            Soa como uma crítica, mas é muito mais uma “joke”, uma “blague”, um “chiste”. Tem gente que levanta, escova os dentes e vai trabalhar. Eu aperto os parafusos. Foi a condição para passar dos trinta, essa idade mágica, fim dos sonhos para tantos, início da escravidão para alguns, filme de terror para outros. Continuar nessa marcha que não acaba nunca, vai uma vida, vem outra e o espírito não pode ficar zanzando pelo espaço etéreo sem uma carne humana a que se apegar. A existência terrena é uma simples passagem ou retorno, então, para que apressar a ida se logo estaremos de volta? Viajar a esmo pode cansar e a melhor forma de honrar a eternidade é morder a corda e não entregar os pontos antes que os órgãos vitais, coração, pulmão, tesão afrouxem de vez.
            Vamos devagar com o andor que o santo é de carne e osso. Como uma árvore cuja casca enruga-se, cria estrias fundas como voçoroca, a poeira do tempo vai depositando-se em nossa alma até ganhar uma consistência escura de breu. A pele contudo deve continuar lustrosa e elástica, por isso deve-se fazer ginástica todos os dias, encontrar alguém para amar, assistir aos filmes de Charles Chaplin com os filhos e ir passear de bicicleta no parque, ainda que seja só para ralar os joelhos. Ah!, deve-se cultivar também, além de cravos ou tomates de jardim, bons livros, boa música, boas companhias. Ouvir os pássaros e o trem, se for de Minas. O sussurro do mar e as sílabas em “inho” se for da Bahia. Fugir para outro estado se for de Goiás, lá até rouxinóis cantam em dueto imitando as duplas sertanejas.
            Não sei se é adolescência tardia, convalescença vadia ou loucura minha, mas carrego também a lembrança de muitos amigos que partiram antes da hora. São os tais que não passaram dos trinta, “faute” de não terem apertado os parafusos. Naquela época nossos heróis eram Jimi Hendrix, Janis Joplin (em que pese cantar como uma galinha) e Jim Morrison. Tinha também (Grouxo) Marx e Bakunin, anarquista aloprado que bagunçou o coreto da Primeira Internacional Socialista (gente, isso é coisa do século XIX!) e foi expulso pelo inventor do capitalismo (Karl Marx, pois sim) e seus comparsas operários. O resto foi história e morte a esgotar os compêndios de museus. Estes últimos passaram dos trinta – a meu ver, viveram até mais do que deveriam – mas não os primeiros, como os meus amigos que ignoraram a regra da chave de fenda (a de apertar parafusos). Estarão sempre vivos em milha alma de casca de árvore - viva os românticos anônimos!
            Como admiro essas gerações bem-pensantes, bem-estudantes e bem-trabalhantes. Parecem ter nascido de uma forma, terminam o doutorado aos 28 anos, são presidentes de empresas aos 40, obesos aos 50 e mortos de enfarto aos 60.

Jacques Tati, diretor e ator, no filme Mon Oncle.

            Um dos grandes trunfos de lembrar o passado ao invés de conformar-se com o presente são aquelas gatas que atrapalhavam nosso sono nos tempos pré-pro-pós-universidade. Esta não vale para os que terminaram o doutorado aos 28 anos. Sou de uma geração pré-aids, pós-hippie. Para quem nunca assistiu aos filmes sobre Woodstock, saiba que isto significa uma diferença enorme, tão grande quanto o humor de Jacques Tati e a stand up comedy. Um dos grandes furos de viver o presente é visitar, hoje, as amigas daquela época.
            Abaixo o machismo e abaixo o feminismo! Tinha então aquela coisa pós-hippie, pré-aids, você dava mais de quatro sem sair de cima, como uma bomba de extrair petróleo, subindo e descendo incansavelmente. Depois inventaram o Viagra e nada fez mais sentido, o cara tá com o pé no túmulo e troca a “vovozinha” pela “netinha” de vinte anos. Que escândalo! Quem achar que estou mentido, que vá à farmácia mais próxima.
            Recomeçar a cada manhã é viver ao ritmo do universo. Como o sol que parece levantar-se todo dia e, no entanto, não pára de girar.
©


Abrão Brito Lacerda 
13 11 14

Comentários

  1. Muito bom para acompanhar nesses dias cinzas (necessariamente chuvosos) desse fim de semana.
    Grande abraço, Abrão!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pela lindo comentário, amigo de fé. Retribuo o abraço + inspirações em sua terra de conto de fadas.

      Excluir
  2. Boa teacher ! Eu era da geração pós -vodca e pré-gim...rerer bravos senhor narrador por seus modos de narrar, cada vez mais concisos. Verba volant, scripta manent ( a palavra voa, a escrita permanece) e dever de escritor - só dos bons- não é mais descrever personagens e cenários envolventes - como no século XVIII - mas trazer à cena,o vivido,o corpo e a alma, os desejos pueris e as comicidades nobres, as alegrias bestas como prova da felicidade arrancada ao caos, a vida em seus meandros sem ordem, pedindo reflexão,etc. coisas que me fazem pensar se esse seu otimismo e essa fé com a vida não passam de pessimismo em diluição, coisa de humorista de plantão. Parabéns... essas coisas que só quem não escreve, pensa que é fácil fazer.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Honroso comentário o seu, nobre John, vulgo JB. Assim como o humor nasce da dor, a leveza alada calca-se nas pedras que jazem no fundo e não podem alçar voo. Penetrar nas experiências, acho que esse é o toque, I'll keep that in mind. As vezes acho meu estilo muito simples, mas se você assim o diz...

      Excluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Gostaria de deixar um comentário?

Postagens mais visitadas deste blog

PAULO LEMINSKI: POESIA DO ACASO

Falarei do acaso para falar de Paulo Leminski (1944 – 1989), um dos poetas modernos que mais admiro e que leio com mais prazer. Pretendo transmitir um pouco da fruição que sinto ao ler seus poemas, como, por exemplo, o prazer do inesperado:          eu ontem tive a impressão que deus quis falar comigo         não lhe dei ouvidos quem sou eu para falar com deus? ele que cuide de seus assuntos eu cuido dos meus Você achou o poeta petulante demais? Ora, ele está apenas fingindo uma humildade que não possui, pois, enquanto artista, deve buscar o absoluto, o não dito. Deve rivalizar-se com Deus (seus assuntos são tão importantes quanto os do Criador, ora bolas!).          Acadêmicos e gente que adora esfolar o cérebro dirão que o acaso não existe, mesmo na arte, que tudo é obra de saber e técnica, etc., etc. Mas apreender o acaso é tudo que o artista busca. Mallarmé (vejam minha postagem de 17 de março de 2012 sobre o poema Salut ), o mestre que faz os

TSUNESSABURO MAKIGUTI: A EDUCAÇÃO COMO CRIAÇÃO DE VALORES

                Mais conhecido como fundador da Soka Gakkai, sociedade laica japonesa que atua pela promoção da paz, cultura e educação, Tsunessaburo Makiguti (1871 – 1944) teve uma vida intensa, pontuada por momentos dramáticos. A começar por sua origem, no seio de uma família pobre do noroeste do Japão. Aos três anos de idade, foi abandonado pelos pais após sua mãe tentar suicídio, atirando-se com ele nos braços no mar do Japão. Foi adotado por um tio, com o qual viveu até os 14 anos e, posteriormente, foi morar com outro tio. Começou a trabalhar cedo e, com grande dedicação, concluiu o curso normal, tornando-se professor primário e também diretor de escola, função que ocupou por mais de vinte anos.             Foi das anotações sobre suas experiências didático-pedagógicas que surgiu o seu segundo livro, Soka Kyoikugaku Taikei ( Sistema Pedagógico de   Criação de Valor es ) , publicado em 1930, em parceria com seu amigo e colaborador Jossei Toda.              Os dois prime

IBIRAJÁ

            Ibirajá é uma vila do município de Itanhém, no Extremo-Sul da Bahia. Fica às margens do Rio Água Fria e possui um lindo sítio, entre montanhas e campos de verdura. Quem ali morou no auge de seu progresso, nos anos 1960 e 1970, impulsionado pela extração de jacarandá na mata atlântica e o garimpo de águas marinhas nas lavras do Salomão, jamais esqueceu. Era um lugar primitivo, onde se misturavam baianos, capixabas, libaneses e italianos. O orgulho nativo continua em alta com os atuais moradores, que mantêm um ativo grupo no Facebook.             Entre o Ibirajá e as Fazendas Reunidas Coqueiros, localizadas a 9 km a jusante do Rio Água Fria, passei minha infância. A força telúrica da visão infantil e a poesia intensa dos eventos nascidos da vida bruta de antanho inspiraram meu livro Vento Sul, que agora ganha um novo interesse, no momento em que publico o segundo, de temática totalmente diferente.             Vento Sul é um inventário de minha infância. Eu o via co