Pular para o conteúdo principal

MANUAL DO FRACASSO

(Imagem: www.professormurara.com)

         O que você diria se um amigo lhe fizesse esta proposta “irrecusável”: 
        - Publicarmos juntos seria realmente supimpa. No entanto, como bom conhecedor do mercado editorial, vou avisando logo: pode dar certo ou dar errado – geralmente dá errado...
            Toparia na hora? 
          Acho que a ideia merece reflexão. Afinal, fracassar pode ser a chave para uma vida longa e feliz nem um mundo obcecado pelo sucesso e vítima do infarto. 
            Desde os tempos de Gandhi, muitas tentativas foram feitas no sentido de despir a vitória de suas vestes douradas e fazê-la calçar os chinelos da humildade. O século XXI atropelou a todas e ultimamente até as igrejas vendem o sucesso em nome de Deus e o mais sagrado dos mercados virou bolsa de atravessadores.
            O olímpico Baron de Coubertain não deixou eternizado o lema “o importante é competir”? Então, por que se apressar?  É melhor ser o terceiro do que o primeiro. Você sobe no pódio do mesmo jeito e ainda se permite ir para a cama mais tarde e se faltar aos treinos ninguém vai reclamar.
            No Japão, agora querem "descomprimir" a escola, oferecendo mais aulas de artes, música e esporte para que os jovens pensem menos no sucesso profissional. Porque o sucesso levou os japinhas a brocharem e a demografia do país declinou perigosamente. Uma geração de robôs, portando-se como humanos, trajando kimono e fazendo aquela reverência solene poderá em breve infestar as ruas do país.


A Alemanha segue pelo mesmo caminho, assim como a Itália, mas não a França, onde ainda se aprecia o vinho, la bonne bouffe (a boa mesa) e o fuque-fuque.  
            Pesquisas não verificadas mostram que o fracasso não está ao alcance das multidões de trabalhadores ricos e pobres, que estão de antemão condenados a lutar pelo sucesso, como bois aptos a emprestarem o pescoço para a canga. Isso porque o fracasso possui algo de aristocrático e anticapitalista. Se indagarmos sobre as razões, concluiremos que não vale a pena ralar a vida toda, aplicar na bolsa, roubar outro tanto se estiver na política, e deixar tudo para uma viúva de trinta anos, que viverá até os noventa, quando morrerá nos braços do décimo marido, um jovem de vinte anos.
            Como esta é apenas a introdução a um tema tão instigante, não pretendemos esgotar o assunto. A seguir, dois teasers em primeiríssima mão, ilustrando as surpresas que aguardam aqueles que pretendem dar com os burros n’água:
            Nero foi imperador, mas queria mesmo era ser músico. Um dia,  encheu a cara e tacou fogo em Roma. Enquanto a cidade ardia, cantou orgulhoso por ter lançado o primeiro “heat” da história. Não sabia ele que, dois mil anos depois, os historiadores declarariam que os verdadeiros responsáveis pelo incêndio de Roma foram os sanitaristas, uma vez que o fogo era o único agente capaz de dizimar as pragas dos quarteirões infectos, numa época em que não havia inseticida.
            E o Caetano (Veloso), no tempo em que era jovem e usava cabeleira tipo bicho, ficou puto com os críticos caretas e decidiu lançar um disco que era uma verdadeira coletânea de porcarias musicais. O álbum Araçá Azul era tão enervante que um desafeto o devolveu diretamente... na cabeça de Caetano! Ele só se safou porque as camadas de cabelo amorteceram o impacto do golpe. Depois disso, resolveu só fazer músicas de sucesso.
            Pensando bem, vou aceitar a proposta do meu amigo.
©
Abrão Brito Lacerda
19 03 16
           

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

IBIRAJÁ

            Ibirajá é uma vila do município de Itanhém, no Extremo-Sul da Bahia. Fica às margens do Rio Água Fria e possui um lindo sítio, entre montanhas e campos de verdura. Quem ali morou no auge de seu progresso, nos anos 1960 e 1970, impulsionado pela extração de jacarandá na mata atlântica e o garimpo de águas marinhas nas lavras do Salomão, jamais esqueceu. Era um lugar primitivo, onde se misturavam baianos, capixabas, libaneses e italianos. O orgulho nativo continua em alta com os atuais moradores, que mantêm um ativo grupo no Facebook.             Entre o Ibirajá e as Fazendas Reunidas Coqueiros, localizadas a 9 km a jusante do Rio Água Fria, passei minha infância. A força telúrica da visão infantil e a poesia intensa dos eventos nascidos da vida bruta de antanho inspiraram meu livro Vento Sul, que agora ganha um novo interesse, no momento em que publico o segu...

PAULO LEMINSKI: POESIA DO ACASO

Falarei do acaso para falar de Paulo Leminski (1944 – 1989), um dos poetas modernos que mais admiro e que leio com mais prazer. Pretendo transmitir um pouco da fruição que sinto ao ler seus poemas, como, por exemplo, o prazer do inesperado:          eu ontem tive a impressão que deus quis falar comigo         não lhe dei ouvidos quem sou eu para falar com deus? ele que cuide de seus assuntos eu cuido dos meus Você achou o poeta petulante demais? Ora, ele está apenas fingindo uma humildade que não possui, pois, enquanto artista, deve buscar o absoluto, o não dito. Deve rivalizar-se com Deus (seus assuntos são tão importantes quanto os do Criador, ora bolas!).          Acadêmicos e gente que adora esfolar o cérebro dirão que o acaso não existe, mesmo na arte, que tudo é obra de saber e técnica, etc., etc. Mas apreender o acaso é tudo que...

TU ES PLUS BELLE QUE LE CIEL ET LA MER: Un poème de Blaise Cendrars

             Feuille de titre, avec dessin de Tarsila do Amaral           C’était en 1983, je crois. J’étais chez un ami traducteur, avec qui je passais des heures à brûler des joins, essuyer des scotchs et rouler les mots à propos de tout et de rien. Une échappée belle dans sa bibliothèque et j’en suis sorti avec un petit livre de la taille d’un paquet de cigarette, que j’ai commencé à lire au hasard – une page, deux... et, tout de suite, cette merveille : Tu es plus belle que le ciel et la mer Quand tu aimes il faut partir Quitte ta femme quitte ton enfant Quitte ton ami quitte ton amie Quitte ton amante quitte ton amant Quand tu aimes il faut partir Le monde est plein de nègres et de négresses Des femmes des hommes des hommes des femmes Regarde les beaux magasins Ce fiacre cet homme cette femme ce fiacre Et toutes les belles marchandises II y a l'air il y a le vent Les m...