Depois
da celeuma em torno da extinção e posterior recriação do Ministério da Cultura,
parece que a questão da cultura, ou a falta dela, voltou à tona no Brasil. Seja
pela capacidade de mobilização demonstrada pelos artistas, seja pela conotação
política do ato, caberia perguntar de que cultura se está falando, num país
onde poucos têm acesso a ela.
É
ponto pacífico que a cultura fornece coesão e identidade a um povo. Ela é espontânea, mas não aleatória e, assim,
todos os países criam meios para promovê-la. Com exceção dos Estados Unidos, onde
o sistema é descentralizado para evitar uma “cultura oficial”, os demais países
divulgam uma cultura nacional.
O
sistema americano funciona muito bem, pois as comunidades de bairro (art districts) e as organizações
privadas se encarregam de tudo: orquestras, bibliotecas, museus – há noventa e
três milhões de americanos que contribuem de forma voluntária, sobretudo para a
arte.
Na
Europa, o papel do estado é central. Na França, por exemplo, o patrocínio
oficial vem desde a monarquia (antes de 1789), com o mecenato real. Hoje, a
política cultural inspira-se na égalite
republicana e busca tornar a cultura e a arte acessíveis a todos. Algumas
iniciativas acabam virando marcas de exportação, como a Festa da Música e a
Noite no Museu.
Outro país europeu, a Alemanha,
oferece financiamento generoso, bolsas e prêmios para a cultura - além de uma
educação totalmente gratuita e de excelente qualidade, que custa aos alemães 40%
do que ganham na forma de impostos. Os brasileiros, que pagam o mesmo, merecem
algo semelhante.
Na
Ásia, o Japão dá exemplo de gestão responsável e de organização enxuta. O
ministério é misto: Educação, Cultura, Ciência, Esporte e Tecnologia. Mas a Agência
de Assuntos Culturais administra 1% do orçamento geral do país! A cultura é tão
importante que o imperador entrega pessoalmente os prêmios de maior destaque.
Chegando
mais perto de nós, temos a Argentina, que também tem sua bela história pra
contar. O site do Ministerio de Cultura
de la Nación (cultura.gob.ar, criado por Cristina Kirchner em 2014) tem ampla
oferta de museus, cinema, dança, arte popular, teatro, literatura, etc., de
qualidade e a preços acessíveis ou gratuitos. Os argentinos são leitores
vorazes e cidadãos orgulhosos das tradições de seu país.
Aí,
quando desembarcamos de volta ao Brasil, temos que nos preparar par o choque.
Os protestos recentes – tão breves quanto superficiais – elevaram o MinC (Ministério
da Cultura) à categoria de uma Petrobrás das artes, um patrimônio nacional,
talvez algum legado do imperador. Sem desmerecer a vitória conseguida com o
recuo do novo governo, recolocamos a pergunta: de que cultura estamos falando,
se a maioria dos brasileiros a desconhece?
Se
visitamos o site do MinC (cultura.gov.br), salta a nossos olhos o caráter
burocrático e pobre do conteúdo veiculado. Deparamo-nos com pérolas como “A
broa, o bródio e o breu: legado de generosidade e honradez” (reflexões sobre o
ex-ministro Aloísio Pimenta) e links administrativos do tipo “Política nacional
das artes”; “Projetos de urbanismo e cultura na Lei Rouanet”.
Ah,
sim, a Lei Rouanet, um dos pivôs da polêmica recente. Ela foi criada em 1991,
na época de Collor, quando o ministério era secretaria. Tornou possível a política
dos incentivos fiscais, através da qual pessoas jurídicas ou físicas aplicam
parte do seu IR no apoio a alguma atividade artística e, em contrapartida, se
promovem.
Um princípio ótimo, que permite
alavancar muitos artistas. Contudo, alguns projetos aprovados nos últimos anos
lançam dúvidas sobre as motivações dos técnicos que os avaliam e sobre a política
cultural em vigor, se é que existe alguma. Vejam: 9.400.000,00 para o Cirque du
Soleil (companhia canadense que se apresenta a preços altíssimos) em 2005; R$
17. 878.000,00 para “Shreck: musical e turnê” em 2011 e 2012; e R$4.143.000,00
para a “Turnê Luan Santana” em 2014. Isso não está cheirando a esperteza
brasileira?
Não é por acaso que alguns acusam o
ministério de ter sido aparelhado - e assim desviado de suas funções -, como as demais instituições do estado nos
últimos anos. Conceder patrocínio a projetos como os citados acima é um acinte aos brasileiros e levanta sérias suspeitas de mau uso do fomento. Onde está o
princípio republicano de democratizar a arte e a cultura, de torná-las acessíveis a
todos? Gestão da cultura significa fazer funcionar uma máquina burocrática ou
defender o patrimônio e a identidade de um povo?
O Ministério continua – mas, e a
cultura? Esta é a grande diferença em relação aos demais países citados, mais
do que o padrão de renda ou a educação formal.
©
Abrão Brito
Lacerda
28 05 16
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