Quem já viu de tudo neste mundo, já viu
até comunista. É uma espécie rara, atualmente em extinção nos assim chamados
países de governo popular, pois fugiram todos pro capitalismo, que pretendem
derrubar um dia para, em seu lugar, erguerem o saudosismo.
Algumas
breves do último congresso do Partido Comunista:
08:00 – Conjuntura interna
10:00 – Conjuntura externa
12:00 – Almoço: Strogonoff e salada
russa
14:00 – A conjuntura interna e o
Capitalismo
16:00 – A conjuntura externa e o Capitalismo.
Dizem que foi a moda que inventou as
tendências; na verdade, foi a esquerda: Convergência, Divergência, Aderência,
Incontinência, exploravam ao máximo as possibilidades da língua portuguesa. Não
tivesse eu flertado com essa parte do nosso léxico, não teria nada para contar,
mas adianto que a Convergência Socialista tinha as garotas mais gostosas do
movimento estudantil e estiveram muito perto da verdadeira revolução. Para que
não digam que estou legislando em causa própria, passo a bola ao Chicão
Cucuruto e seus amigos rapaces, os temíveis, os abomináveis CCSC ou Comando de
Cooptação Sexual de Comunistas.
Estávamos na pré-história do Brasil,
período compreendido entre o fim do governo militar e o início do governo
silvícola atual. Partidos pipocavam feito bomba de São João, era preciso,
literalmente, devorar os adversários, poupando as adversárias para a sobremesa.
Foi nisso que o CCSC desenvolveu, digamos, hábitos de gourmet, apreciando as
mais delicadas iguarias da terra, fusão de raças e cores, perfumes e sabores.
Lançavam mão de estratégias
iconoclastas:
- Na página cinco do Dezoito Brumário,
Marx afirma que os fatos, não nossas paixões, devem conduzir nossa ação.
- Você leu o Dezoito Brumário? –
perguntava a gata, embasbacada.
- Claro! Venha, vou te mostrar.
Às vezes era preciso dar prova de maior
erudição:
- O Dezoito Brumário não é a verdadeira
obra de Marx – contestava alguma metida.
- Mas no Manifesto Comunista...
- Não me venha com essa de Manifesto
Comunista! Nessa época Marx ainda pensava como um burguês.
- Será preciso então analisarmos o
capítulo III de O Capital...
Quase ninguém conhecia o tomo III do Capital.
Essa era uma prova cabal de comprometimento com a revolução, a gata não tinha
saída:
- Gostaria que você me mostrasse a
passagem...
(Imagem: www.ofelino.blogspot.com) |
E assim rodaram pelo país, como
missionários da nova esquerda, entrando e saindo sem parar. E foram parar em
Guanambi, uma cidade do sertão da Bahia, mais conhecida pelas manchetes
policiais. Não avisaram a eles (dizem que foi vingança) que aquela gente tinha
sangue de Lampião, as moças manuseavam um machete tão bem quanto um alicate de
unha. O comando central tinha diagnosticado nas paragens um grupo crescente de
simpatizantes do partidão (o PC do B), do partidinho (o PCB) e filiais. Seguiram
os pretensiosos do CCSC de ônibus pela Rio-Bahia com a incumbência de desbancar
o strogonoff e a salada russa e em seu lugar implantar a farofa e o torresminho
com mandioca.
Agenda do 1º Encontro da Esquerda
Revolucionária do Sertão da Bahia:
08:00 – Conjuntura interna
10:00 – Conjuntura externa
12:00 – Almoço: Picadinho Burguês com tomate
vermelho
TARDE – Livre para cooptação.
Instalaram-se os salafrários no hotel
mais próximo do centro de convenções, de onde controlavam o entra e sai dos
militantes, ou melhor, das militantes, seu único e exclusivo alvo. Imaginem
pagar uma cambada dessas para ir encher a pança com a comidinha apimentada do
sertão. O cínico do Picles, nome de guerra de um dos companheiros do Chicão,
confessou: “As garotas não tinham nada de operárias, eram lisas e saudáveis,
pele de canela, cheiro de cravo.”
Tentaram as velhas táticas:
- Conforme Marx afirma no Dezoito
Brumário...
- Que Dezoito Brumário, que nada, a
gente aqui é de ação!
Quem só viu uma baiana rebolando atrás
de um trio elétrico não imagina do que ela é capaz.
- Companheira, a “nova esquerda” que
está surgindo...
- Ó xente, coisinha de Minas. Você não
entende nada mesmo de revolução. Qual é o número do seu sapato?
- Quarenta e quatro bico largo.
- Serve!
Foram depenados, sugados, amassados feito
panos de chão. No dia seguinte, fechamento do congresso, nada da companheirada de Belo Horizonte chegar
para falar da “nova esquerda”. Os convivas aguardavam ansiosos a preleção sobre
o Tomo III do Capital, mas o que viram foram três espectros de olhos fundos,
como se estivessem usando maquiagem de Frankstein.
Na foto de encerramento, o Chicão não
aguentou nem mesmo levantar o pau da bandeira, que ficou apontada para o chão,
com o dizer: “Avante!”. Mas conseguiram converter boa parte da banda feminina
aos novos ideais.
©
Abrão
Brito Lacerda
24
02 15
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