NO PONTO DE TÁXI
Oito e trinta da noite, esperando no
ponto de táxi. Sentado em um cepo à guisa de tamborete, não sou o único a gozar
da mansidão da noite do interior, onde os gatos são pardos e a gente distraída.
Há dois carros no ponto, mas onde estão os choferes?
-
Você sabe onde estão os choferes?
-
Os “chof...”?!
-
Os taxistas, quero dizer.
-
Devem estar fazendo compras no supermercado.
A
moça parece nervosa, esperando sozinha no ponto:
-
Estou aqui há um tempão. Meu celular tá sem bateria, não posso chamar os táxis
da rodoviária.
-
Boa ideia. A rodoviária não é longe daqui. Vou ligar.
Ligo
pra rodoviária.
-
Alô. Estamos no ponto do Bretas, precisamos de táxi. Somos dois passageiros.
-
Neste momento, o José Paulo e o Monteiro estão na praça – responde a voz
preguiçosa do outro lado da linha.
-
E onde estão eles?
-
Estão no supermercado, aguardem alguns minutos.
Enfim,
chegam os dois fujões, empurrando um carrinho de compras. São cinco minutos
para colocarem tudo no bagageiro e postarem-se ao volante, aptos à corrida. Pressa
para quê? Todos os motoristas de táxi da cidade são aposentados e já perderam a
ansiedade há muito tempo. Com certeza tomarão o caminho mais lento até seu
destino e aproveitarão para trocar uns dedinhos de prosa com você.
RESSACA ELEITORAL
Não entendo a lei da ficha limpa.
Vai-se a votação e as ruas da cidade ficam cobertas de santinhos, desses que já
não salvam mais. Como se sabe, antes da eleição, todos os milagres são
possíveis. Depois, salve-se quem puder. Vão precisar de um exército de garis
para pôr tudo em ordem novamente. Por que pessoas são pagas para distribuir
essa porcaria toda e não para recolhê-la?
Um
silêncio de dúvida paira sobre o centro da cidade, normalmente agitado, com
buzinas, caminhões com descargas descalibradas e motos voando como mariposas.
Ultimamente tinha também alto-falantes da propaganda eleitoral, a única coisa
alta nesta campanha. A julgar pela melancolia desta segunda-feira, ninguém foi
eleito.
ABAIXO AS BOTAS, ACIMA AS SAIAS
O inverno despediu-se, quase sem nos
cumprimentar. Dizem que é o aquecimento global, cada ano mais quente que o anterior,
até as calotas polares começam a derreter para o planeta refrescar-se. Quando
forem-se as calotas, fugiremos para Vênus, lá é gelado o ano todo.
Trabalharemos menos (o ano venusiano tem apenas 244 dias) e, com sorte, seremos
resgatados por alguma nave errática em direção à galáxia de Andrômeda.
Por
enquanto, aqui está bom, graças às mulheres. Por mais que o inverno seja ameno,
não deixam de aparecer botas de todos os canos pelas ruas: longas, de salto e
bico afilados, baixinhas com bordas dobradas, tipo caminhada, botas cowboy com
falsa-esporinha, de lacinhos, de cadarços, com velcro, de plataforma. Agora que
a temperatura já não é mais compatível com esta extravagância, saem as botas e
entram as saias. Mas as pernas permanecem, e merecem um parágrafo à parte.
Esqueçam
os tempos em que as pernas das mulheres mostravam pontinhos pretos de raízes de
pêlos. Depilação agora é ultramoderna. A frio, a quente, e também com muita
academia, as pernas ficam da forma que as conhecemos. Um pouco de sol, ou a
falta dele, dá a cada uma sua textura particular. Um vestido ou saia completa o
conjunto. A primavera mal começando e ainda teremos um verão inteiro pela
frente.
UM BURACO SEM SAÍDA
- Alô! É da Copasa?
-
É sim, senhor. Um momento, por favor...
-
...
-
Alô, Copasa. Um momento, por favor...
-
???
-
Alô, Copasa. Em que posso ajudar?
-
Aqui é da Rua Noventa e Um, no Novo Horizonte. O buraco que vocês abriram há
dois meses ainda não foi tapado.
-
Onde fica o buraco?
-
Na frente da minha garagem, número 72.
-
Teve a eleição, o senhor sabe como é... Muitos buracos para serem tapados.
-
Quando é que vocês vão fechar o buraco?
-
Um momento, por favor...
-
...
-
Alô! Aqui consta que já executaram o serviço.
-
Como, se o buraco continua aberto?
-
Um momento, por favor...
-
...
-
Uma equipe irá amanhã executar o serviço.
-
O senhor já me disse isso sete vezes! Que falta de respeito! Se fosse no centro
da cidade, já teriam consertado!
-
Bip! Bip! Bip! A Copasa agradece sua ligação.
(*Copasa: Companhia de Águas e Saneamento de Minas Gerais)
©
Abrão Brito Lacerda
07 10 14
4 pelo preço de 1? nada mal.... a meu ver os dois narrativos superam em muito os outros pela orquestração de vozes entre personagens. È de "taiar" o sangue a realidade de quem conta com o estado ou com estes taxistas...melhor mesmo é pensar nas pernas do verão...
ResponderExcluirObrigado pelo gentil comentário John, desta vez você entendeu-se bem com o blog! (rsrsrs!). Vamos indo, experimentando com as palavras, procurando produzir algum prazer, quem sabe alguma cultura.
ExcluirGosto bastante dessas suas crônicas curtas, Abrão. E como são flashs de um lugar que eu também convivo, ficam com um apelo ainda mais especial.
ResponderExcluirGrande abraço!