“Como dizia minha avó...”. Quem não
conhece um complemento para esta frase? O universo das expressões figuradas é o
jardim da língua, tradicional e ao mesmo tempo vicejante, de onde extraem
poetas, cronistas e músicos matéria farta e altamente expressiva. É, sobretudo,
peculiar à linguagem, costumes, história de cada povo, embora o sentido seja universal e muitas expressões
tenham equivalentes em outras línguas.
Dizer
“A vaca foi pro brejo” é muito mais significativo do que explicar que deu tudo
errado e a situação está difícil – tão difícil quanto retirar uma vaca louca de
um pântano. “Macaco velho não põe a mão
em cumbuca” é um chamado à experiência. Vem da armadilha besta para pegar
macacos: uma banana colocada dentro de uma botija ou cabaça; o primata enfia a
mão, agarra a fruta e não consegue mais retirá-la, pois falta-lhe a compreensão
de que só a mão aberta consegue passar pelo gargalo.
Em sã consciência,
ninguém quer “bater” ou “juntar as botas”, não é mesmo? Em contrapartida, todos
querem “acertar na mosca” e “enfiar o pé na jaca”. Alguns “matam o tempo”
enquanto o jogo não começa, mas os brasileiros “entraram numa fria” na última
copa do mundo. O time “pisou na bola” e a torcida ficou “com o coração na mão”.
Depois do jogo, todos foram “tirar o cavalinho da chuva” e agora estão “verdes
de fome”, pois com esse time “quebra-galho” é mais fácil “dar murro em ponta de
faca” do que “tirar a barriga da miséria”.
No caso das expressões
clássicas, de origem muito antiga, todas as línguas têm um equivalente. O
contador de histórias grego, Esopo, autor das mais célebres fábulas conhecidas,
deixou várias expressões figuradas que podem ser encontradas em vários idiomas.
Por exemplo, “O hábito não faz o monge”, que soa medieval, mas é na verdade
mais antiga. Vem da fábula O Asno em Pele
de Leão: um asno, tendo encontrado uma pele de leão, cobriu-se com a mesma
e saiu pelo campo fingindo ser o rei dos animais. Uma raposa, sempre muito
esperta, desmascarou-o, dizendo “Quando ouço um leão rugir, fico com medo. Mas
quando este aí zurra, sei que se trata de um jumento.” A moral da história
então é: a pele não faz o animal. Adotada na Idade Média, a frase saiu do latim
e entrou para o francês, “L’habit ne fait pas le moine” e para o português. No
inglês, manteve-se mais próxima ao original: “Clothes do not make the man” (as
roupas não fazem o homem). E, no espanhol, ficou pomposa: “El uniforme no hace
al héroe”, “A farda não faz o herói.”
Se alguma coisa é nova,
dizemos que está “novinha em folha”, expressão que vem dos livros recém-impressos,
com todas as folhas branquinhas, limpinhas e sem amassados. Em inglês fica
“brand new” (novo com a marca de fábrica), em francês, “neuf en boÎte (novo na
caixa) e em espanhol é mais óbvio: “totalmente nuevo”.
No universo rural de
Minas Gerais, há uma profusão de dizeres interessantes, alguns locais e pouco
conhecidos, outros já incorporados à língua brasileira. Há sobretudo um humor
admirável, típico do falar “comendo as sílabas” do interior do estado. Se
alguém disser que alguma coisa “tácustanuzóidacara”, não pense que o capiau
está falando sânscrito; ele simplesmente quer dizer que “está custando os olhos
da cara”. Se ele disser “tire o pé da minha janta!”, entenda que você está
sobrando na conversa. E se ouvir que “minha irmã acabou no caritó”, não pense
mal da moça, ainda que caritó seja um lugar fechado, pequeno e escuro. “Acabar
no caritó” é ficar pra titia. E, que tal: “Os dois emendaram o bigode e
acabaram dando cabo a machado”? Traduzindo: conversaram demais e acabaram
criando problemas sem necessidade.
É como dizia a mãe de um
amigo... Esta é do Alto Paranaíba, no oeste do estado de Minas. Ficará como
registro da sabedoria das mães, tão necessária nesses dias de intensa dúvida.
Ao assistir na TV às turbulências pré-eleitorais, crimes, corrupção a quatro,
proclama a sábia senhora, extraindo do fundo da memória as palavras precisas
que o cronista não deixará desaparecer: “Estamos no sal!”
©
Abrão Brito Lacerda
03 10 14
Abrão Brito Lacerda
03 10 14
Abrão, que texto maravilhoso!
ResponderExcluirDá vontade que não acabe. Leve, sem formalismos, instrutivo e ao mesmo tempo divertido.
Grande abraço!
Muito obrigado, Zé. Sinto-me honrado com sua leitura fiel. O blog tem sido uma escola para mim, no sentido de ensinar-me como produzir textos adequados aos dias de hoje. Se a erudição é rebuscada, a sabedoria é simples, não é mesmo?
Excluirmas ficou fiiiiino. cada dia mais você se esmera com os seus modos de dizer com uma escrita cada vez clara, educada, refinada e como sempre bem humorada... nesse ritmo, em breve teremos um belo livro de crônicas... avante,,,
ResponderExcluir