Mais
conhecido como fundador da Soka Gakkai, sociedade laica japonesa que atua pela promoção da paz, cultura e educação, Tsunessaburo Makiguti
(1871 – 1944) teve uma vida intensa, pontuada por momentos dramáticos. A
começar por sua origem, no seio de uma família pobre do noroeste do Japão. Aos três
anos de idade, foi abandonado pelos pais após sua mãe tentar suicídio,
atirando-se com ele nos braços no mar do Japão. Foi adotado por um tio, com o
qual viveu até os 14 anos e, posteriormente, foi morar com outro tio. Começou a
trabalhar cedo e, com grande dedicação, concluiu o curso normal, tornando-se
professor primário e também diretor de escola, função que ocupou por mais de vinte
anos.
Foi
das anotações sobre suas experiências didático-pedagógicas que surgiu o seu
segundo livro, Soka Kyoikugaku Taikei
(Sistema Pedagógico de Criação
de Valores), publicado em 1930, em parceria com seu
amigo e colaborador Jossei Toda.
Os dois primeiros
capítulos dessa obra, respectivamente “Reflexões
sobre o objetivo da educação” e “Os fundamentos do valor”, contêm o essencial
das propostas do professor Makiguti. Com efeito, no início do primeiro capítulo,
ele afirma:
“O tema
central deste livro é que o alcance da felicidade é o objetivo principal da
educação.”
Ao discutir o que constitui propriamente a
base da felicidade, Makiguti conclui que se trata do valor. Para ele, embora o
valor só possa ser pensado na interação do indivíduo com o meio em que vive, a
transformação da sociedade com base em valores construtivos só é possível
através do respeito ao indivíduo, pois a solução dos problemas sociais começa
com a transformação do indivíduo e não o contrário. Edificar um sistema educacional – e por extensão uma
sociedade – que não sufoque as manifestações criativas dos alunos/indivíduos é condição
primordial, pois:
“Quando o indivíduo é reprimido, a sociedade
se enfraquece e se deteriora.”
É
preciso respeitar o ponto de vista dos educandos, enfatiza o professor
Makiguti, libertando os currículos da tirania do academicismo e do utilitarismo
(educar para a vida profissional adulta). Impingir conteúdos acadêmicos a uma
criança pequena, afirma ele, produz efeitos negativos e a torna infeliz.
É
essencial para Makiguti estabelecer uma medida da interação entre o indivíduo e
a sociedade tendo como pano de fundo seu conceito de felicidade:
“A verdadeira felicidade só é alcançada
compartilhando-se as tentativas e sucessos dos outros membros da comunidade. É
fundamental, portanto, que qualquer conceito genuíno de felicidade contenha a
promessa de comprometimento total com a vida da sociedade.”
Capa da Edição brasileira, com o título pouco condizente de "Educação para uma Vida Criativa". |
Ao
desenvolver o que chama da necessidade de se ter uma “vida contributiva”
através de uma “consciência social elevada”, Makiguti coteja suas ideias com as
de alguns pensadores ocidentais que o precederam, como Augusto Comte e Émile
Durkheim. Augusto Comte foi um pensador da primeira metade do século XIX e o
precursor da Sociologia (por ele chamada de “Física Social”), além de
idealizador do Positivismo, a “religião da razão”, baseado no princípio de que
é possível racionalizar os fenômenos sociais e estabelecer as leis que os
governam. Durkheim, que viveu entre fins do século XIX e inícios do século XX, foi
responsável pela consolidação da Sociologia como ciência. Ele pregava a
preponderância da sociedade sobre o indivíduo, o qual deveria integrar-se àquela
para conseguir sua realização.
Como se vê, nenhum
destes pontos de vista representa o pensamento de Makiguti, que deve ser
classificado como humanista e possui, inclusive, um caráter transcendente
inerente no que tange ao objetivo da existência humana.
Para ele, a necessidade de uma vida participativa e
contributiva não significa submissão ou aceitação passiva dos erros da
sociedade, significa ter um sentido claro na vida, realizar seu potencial e ser
feliz, repartindo essa felicidade com seus semelhantes.
Neste
particular, é importante lembrar a conversão do
professor Makiguti ao Budismo de Nitiren Daishonin em 1928, juntamente com seu fiel
discípulo e colaborador Jossei Toda, que viria a ser o segundo presidente da
Soka Gakkai. Ao estabelecer como raiz para a transformação da sociedade o indivíduo,
ele faz ecoar o princípio budista de que o ser não se separa do meio, um é
inerente ao outro. Sua confiança inabalável no potencial do ser humano
igualmente certamente adquiriu maior clareza em contato com os ensinamentos do
Sutra de Lótus, que estabelece que todos os seres vivos possuem potencial para
manifestar a iluminação, ou seja, o estado de Buda.
Para
Makiguti, a educação deve ser vista como um instrumento de avanço pessoal e social
e não apenas de preparação para o “sucesso” profissional. Em suas palavras: A
educação deve “orientar as pessoas para
uma vida melhor, através da integração dos valores de benefício, bem e beleza.”
Para Makiguti, a felicidade da criança deve ser o objetivo da educação. |
Ao
se preocupar com o valor e a ética enquanto base para uma existência
edificante, Makiguti deu a sua obra um caráter atemporal. Como professor e
diretor de escola, ele teve uma
visão do processo didático-pedagógico em sua dinâmica quotidiana da sala de
aula, da relação professor-aluno, chegando a defender que o professor deve colocar-se no
lugar do aluno. Isso significava uma ruptura com o modelo hierárquico-disciplinar
tradicional. Além disso, ele sublinha que a aprendizagem deve ser algo agradável
e criativo e não impositivo. Para uma obra lançada ainda na primeira metade
do século vinte, dominada pelo rígido patriarcalismo de então, trata-se
de uma verdadeira revolução.
©
Abrão Brito Lacerda
02 11 15
Vendo uma matéria como essa, penso na escuridão de dias futuros.
ResponderExcluirOxalá eu esteja vendo errado. Mas as coisas seguem em caminhos muito tortuosos para a educação brasileira.
Ótima matéria, como sempre!
Atuar de forma individual mas com determinação é o que importa. Boas inspirações.
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