(Foto: conexaoparis.com.br) |
Diante da vitrine, paro,
sento, medito. Há um banco sobre o passeio, a vitrine da padaria com mil
bolinhos, pavês, pãezinhos confeitados, mille-feuilles, tortas, éclairs,
struddles, muffles, croissants, pudings e rocamboles. As línguas se misturam em
meu desejo, minha consciência faz-se de juiz: “Seu lanche é às 17:30.”
Por que nascemos com uma
consciência, não bastariam o estômago e a vesícula? Nem sei para que serve a
vesícula, sempre fui mal em aritmética e desconheço os cálculos biliar e renal.
Mas sei das mil e uma utilidades do estômago, nosso segundo cérebro segundo os
especialistas. Então, viva a consciência, essa porção de conjeturas que nos
permite distinguir das espécies quadrúpedes, trípedes, bípedes e monípedes!
- Quero quatro struddles.
À merda minha consciência!
- O quê? O senhor quer fazer
uma confidência?
- Desculpe, é minha
consciência, sabe, a senhora provavelmente também tem uma. Está me dizendo que
meu lanche é às 17:30.
- Nesse caso, o senhor
compra agora e come às 17:30.
Brilhante! Jamais imaginei
que uma simples balconista conhecesse tanto da psicologia humana.
- Quatro struddles e dois
muffles, por favor.
Volto para o banco com
minha sacolinha de guloseimas à mão. Olho, reflito, há gente apressada demais
no mundo, talvez gente demais no mundo. E, no entanto, os ipês estão enfeitados
de roxo, amarelo e branco. Há também flamboyants e hibiscos laranja, carmins e
violetas, botõezinhos trincando de tesão. A moça que passa só quer ser
admirada, não tem tempo para olhar as flores, há buracos no passeio, copos
plásticos, envelopes de bala-doce, palitinhos de picolé. Por onde anda nossa
limpeza pública? Só vejo sujeira pública. Dizem que quem joga lixo no chão está
com a mente entulhada. Acredito piamente. Há tranqueira demais nas cabeças,
vamos limpá-las, gente em carros tão bonitos e no entanto completamente suja
por dentro. Ouçam o passarinho.
Quando um pássaro canta,
outros aparecem para acompanha-lo. Pousados em um galho do ipê, três
passarinhos desafiam o furor da tarde, alegres e arteiros. Cagam no banco,
bostinhas brancas com pontinhos pretos. A senhora passa arrastando o cãozinho
pela coleira, ele protesta, ela rosna indignada ao ver a estripulia deixada
pelos pardais no capô do seu “truck”. Nunca estacione debaixo de uma árvore,
sua educação pode cair junto.
- O senhor viu quem fez
isso? Ela aponta para um amassado no para-choque.
Demoro a responder, de
propósito.
- Foram os passarinhos.
- Passarinhos não dirigem
carros.
- Isso é porque a senhora
não assiste aos mesmos desenhos animados que meu filho.
Ela arranca enfezada, os
passarinhos revoam com o barulho do motor, o cão late para mim, meu segundo
cérebro avisa que já são 17:30.
A gerente da padaria
baixa o toldo para proteger a vitrine do sol da tarde. Na lona está escrito:
“Gaseosa, um gole de alegria”.
Não quero gaseosa, quero
a liberdade dos passarinhos.
©
Abrão Brito Lacerda
08 03 18
Interessante como pessoas tão distantes tem mesmos pensamentos e sentimentos do mundo.
ResponderExcluirHoje mesmo, um amigo de uma rede social afirmou em uma de minhas fotos postadas que "quero ir e vir como um pássaro". Muito parecido com a sua terminação do texto.
Acho legal quando encontro isso, a certeza de que existe um pensamento coletivo entre pessoas de bem. Tão bom quando nos plugamos nele...
Grande abraço, Abrão!