Pular para o conteúdo principal

MILHO VERDE, MINAS GERAIS

A vida tranquila, o encontro com a natureza.

             Chegamos a Milho Verde em uma tarde de inverno, logo depois da Grande Fossa que adveio em conseqüência da derrota do Brasil para a Alemanha na Copa do Mundo. Assistimos ao jogo, isto é, à hecatombe em uma pousada de Diamantina. São tempos de férias e de copa e há muitos estrangeiros viajando pelo país. Na pousada, os franceses, que assistiram ao jogo junto conosco, estavam torcendo pelo Brasil, foi o que disseram antes do jogo. Eles estavam mais confiantes do que nós, que já admitíamos de antemão a possibilidade de uma derrota do Brasil.
            Havia também alemães. Esses, por um explicável(?) pudor germânico, preferiram ficar em seus apartamentos. Não pareciam muito ligados no jogo, pelo menos antes desse começar. Depois do apito final, e com a cidade de Diamantina mergulhada no silêncio, vi-os no lounge trocando mensagens frenéticas com seus patrícios do outro lado da Internet. Não pude entender o que diziam, porque não sei alemão. Mas, pelo tom, pela atmosfera fúnebre estampada no rosto dos brazucas e por meus próprios sentimentos, adivinhei o conteúdo dos seus diálogos:
O paraíso fica na Serra do Espinhaço, região do Pico do Itambé, em Minas Gerais.

            - Você precisa ver! Os brasileiros estão boquiabertos! Parece que caíram de um avião!
            - Sete a um! Por aqui estão dizendo que eles ficaram amarelos de medo!   
            - Esta é a mais nova versão para a cor da camisa do Brasil. Dizem que vão trocá-la por uma camisa negra, de luto.
            - Tem uma piada circulando que diz que...
            Melhor parar de adivinhar o que diziam os organizados alemães, que deram uma bela lição de esporte e competitividade aos brasileiros, desorganizados e pretensiosos. O Brasil achava-se bom acima do que podia responder, construiu-se uma ilusão, impulsionado pelo mercantilismo e pela mídia, que nadaram em propagandas ufanistas e enganação. Caiu do cavalo, quebrou a perda, entrou na Grande Fossa.
Vista da região de São Gonçalo do Rio das Pedras.

            Portanto, nada melhor do que chegar a Milho Verde, com sua natureza exuberante e seu astral nas nuvens.
            Como tantos outros lugares paradisíacos, Milho Verde é um aglomerado semi-urbano que reúne moradores antigos e novos. Os antigos são aqueles que deram a identidade inicial ao lugar; os novos são citadinos refratários, provenientes de Belo Horizonte e de outras regiões e até mesmo do exterior. É gente que deu a volta ao mundo e escolheu finalmente fincar o pé na região do Pico do Itambé, divisor de águas das bacias dos rios Jequitinhonha, Doce e São Francisco, comumente conhecida como Alto Jequitinhonha.
            Você chega, conhece o lugarejo em meia-hora e seus moradores ao fio da estadia, pois a gente, de bem com a vida, faz de tudo o pretexto para um bom papo. Os arredores, com várias trilhas e cachoeiras, estão bem preservados e não sofrem com a ação predatória do turismo de massa, embora o número de visitantes seja elevado. Não há lixo, não há pichação, não há poluição sonora. A índole pacífica se estende aos animais, como os cachorros, que não latem e nem perseguem os estranhos. Alguns jumentos pastam em terrenos baldios, tão à vontade quanto os humanos.    
            À noite, uma movimentada vida cultural agita as ruas de terra, na “terrific” Milho Verde by Night, digna de BH.
Apresentação do grupo Maria Faceira durante o Encontro Cultural de Milho Verde.

MILHO VERDE BY NIGHT
            E by day também. Pudemos acompanhar o Encontro Cultural de Milho Verde, que acontece no mês de julho desde 2000, com apresentações de cinema, música e literatura, além de atividades para as crianças, das quais não participei. Milho Verde ganhou ares de festival de inverno, reunindo uma plateia dos vinte ao sessenta anos. Bravo ao grupo Maria Faceira que fez uma linda apresentação reunindo vozes, percussão, harpa, violão e coreografia. Bravo aos proprietários do Angu Duro, Café Devassa e Casa do Açaí, que acolheram belos eventos.  Na projeção dos curtas-metragens ficou patente que a “temática social” ainda atrai os alternativos urbanos, que formam o grosso da população do Milho Verde.            Entretanto, os filmes não interessavam muito, porque o mais importante é o filme real que está rolando atualmente no vilarejo, o eletrizante:
MILHO VERDE WESTERN
            Cobiçada por suas belezas naturais, a região dos vilarejos de Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras passa por um “boom” imobiliário, com os habituais improvisos e ações maquiavélicas e contravenções. Afinal, temos que voltar a falar do Brasil 7 a 1, que continua o mesmo: em meio a uma trama que envolve a urbanização da região e a pressão crescente dos agentes exógenos, já houve uma tentativa de homicídio, com dois tiros falhos, seguida de ataques com explosivos, mais intimidação com tiro de raspão. As autoridades estão investigando, promete ser uma série com vários capítulos.
Na noite parda, o sorriso maior é o do cronista.

            Qualquer que seja a decisão dos inquisidores, nada me fará desistir de voltar outras vezes a Milho Verde. Por sua localização perfeita, em meio à Serra do Espinhaço, com clima ameno e farta distribuição de nascentes. Pela atmosfera cordial e o alto astral de seus moradores, capazes de curar-nos da Grande Fossa, que agora se ampliou com mais uma derrota do Brasil nos gramados.

©
Abrão Brito Lacerda



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PAULO LEMINSKI: POESIA DO ACASO

Falarei do acaso para falar de Paulo Leminski (1944 – 1989), um dos poetas modernos que mais admiro e que leio com mais prazer. Pretendo transmitir um pouco da fruição que sinto ao ler seus poemas, como, por exemplo, o prazer do inesperado:          eu ontem tive a impressão que deus quis falar comigo         não lhe dei ouvidos quem sou eu para falar com deus? ele que cuide de seus assuntos eu cuido dos meus Você achou o poeta petulante demais? Ora, ele está apenas fingindo uma humildade que não possui, pois, enquanto artista, deve buscar o absoluto, o não dito. Deve rivalizar-se com Deus (seus assuntos são tão importantes quanto os do Criador, ora bolas!).          Acadêmicos e gente que adora esfolar o cérebro dirão que o acaso não existe, mesmo na arte, que tudo é obra de saber e técnica, etc., etc. Mas apreender o acaso é tudo que o artista busca. Mallarmé (vejam minha postagem de 17 de março de 2012 sobre o poema Salut ), o mestre que faz os

TSUNESSABURO MAKIGUTI: A EDUCAÇÃO COMO CRIAÇÃO DE VALORES

                Mais conhecido como fundador da Soka Gakkai, sociedade laica japonesa que atua pela promoção da paz, cultura e educação, Tsunessaburo Makiguti (1871 – 1944) teve uma vida intensa, pontuada por momentos dramáticos. A começar por sua origem, no seio de uma família pobre do noroeste do Japão. Aos três anos de idade, foi abandonado pelos pais após sua mãe tentar suicídio, atirando-se com ele nos braços no mar do Japão. Foi adotado por um tio, com o qual viveu até os 14 anos e, posteriormente, foi morar com outro tio. Começou a trabalhar cedo e, com grande dedicação, concluiu o curso normal, tornando-se professor primário e também diretor de escola, função que ocupou por mais de vinte anos.             Foi das anotações sobre suas experiências didático-pedagógicas que surgiu o seu segundo livro, Soka Kyoikugaku Taikei ( Sistema Pedagógico de   Criação de Valor es ) , publicado em 1930, em parceria com seu amigo e colaborador Jossei Toda.              Os dois prime

IBIRAJÁ

            Ibirajá é uma vila do município de Itanhém, no Extremo-Sul da Bahia. Fica às margens do Rio Água Fria e possui um lindo sítio, entre montanhas e campos de verdura. Quem ali morou no auge de seu progresso, nos anos 1960 e 1970, impulsionado pela extração de jacarandá na mata atlântica e o garimpo de águas marinhas nas lavras do Salomão, jamais esqueceu. Era um lugar primitivo, onde se misturavam baianos, capixabas, libaneses e italianos. O orgulho nativo continua em alta com os atuais moradores, que mantêm um ativo grupo no Facebook.             Entre o Ibirajá e as Fazendas Reunidas Coqueiros, localizadas a 9 km a jusante do Rio Água Fria, passei minha infância. A força telúrica da visão infantil e a poesia intensa dos eventos nascidos da vida bruta de antanho inspiraram meu livro Vento Sul, que agora ganha um novo interesse, no momento em que publico o segundo, de temática totalmente diferente.             Vento Sul é um inventário de minha infância. Eu o via co