Emarqueanos durante uma excursão, em frente ao hotel, em Valência, Bahia. |
Em
mais um desses fenômenos Whatsapp, acaba de ser criado o grupo Emarc 1979, com
o objetivo de celebrar a formatura dos Técnicos Agrícolas e Agrimensores daquela
prestigiosa escola na safra 1978/79.
O
evento tem despertado tamanho furor que você pode deparar com “209 mensagens
não lidas” ao abrir o aplicativo. Quando uma foto é postada, a turba lança-se sobre
ela para destrinchá-la e classificá-la no rol da memória coletiva, num
verdadeiro ato de canibalismo.
Recordar
é viver? Certamente, e vice-versa.
O passado é uma narrativa do presente, assim como nosso
presente depende de nosso passado. Estes eixos se determinam mutuamente. A começar pela suprema ironia de que só pode
lembrar quem está vivo, quem foi para debaixo de sete palmos, pode, no máximo,
ser lembrado. Nessa narrativa dos vivos, celebremos o bem maior que é ter
amigos e sorrir.
Para
você que está se perguntando o que é que é EMARC, eu explico: trata-se da tradicional
Escola Média de Agricultura da Região Cacaueira, localizada no município de
Uruçuca, entre Itabuna e Ilhéus, no sul da Bahia. A escola existiu entre 1965 e
2010, fornecendo cursos nas áreas de agropecuária, agricultura e agrimensura. Hoje, chama-se Instituto Federal Baiano e atua
no ensino médio profissional e na formação universitária.
Como
escola federal, a EMARC possuía a melhor infraestrutura e quadro de pessoal da
região. Localizada dentro de uma mata de cacau, oferecia alojamento, alimentação e assistência médica e odontológica aos
estudantes. A praia ficava perto e era facilmente acessível por carona (desde
que se usasse a famosa camisa de malha branca com escudo azul), as
aulas práticas eram verdadeiros eventos, com os alunos se descolando a pé pelo
campus. As viagens, um must. Era, portanto, um privilégio estudar lá. Os mais ativos
podiam se dedicar aos esportes e os intelectuais à exploração da excelente
biblioteca, mas a maioria situava-se na média, participando das aulas de
educação física e fazendo os trabalhos escolares no limite para sobrar tempo
para... farrear e zoar!
Melhor
do que as aulas de educação física era o “baba” (partida de futebol) ou a
corrida do fim de tarde. Havia um jornal estudantil, uma animadíssima sala de jogos
e TV e muita camaradagem, poucos atritos, nenhuma briga. Muito embora as práticas do
trote e do corte de cabelo, executadas muitas vezes com excesso pelos alunos
veteranos (2º ano), não constituíssem uma unanimidade. Aliás, o biênio 78/79
marcou a mudança de atitude em relação a esses atos, que tinham mais a ver com
a ditadura militar, que já se encontrava na UTI.
Os
apelidos merecem um capítulo à parte. Urubu, Picolé, Cu Sujo, Pivete, Fubá de
Pau, Confusão, Patinha, Soca Braço, Rabicho, Índio, Rocho, Cutelo, Engatinhado,
Gago, Chuvinha, Sergipano, Bandeira, Chupança, Furúnculo, Carniça, Gringa,
Minha Jóia, Guzerá, Clitóris, Fitoftóra, Orobiu, Macaca, Xiranha, Peixinho, Borboleta,
Fu, Vigarista, Carrapato, Ximbica, Precioso, Rapariga, Boca, Chuchu, Muquiado, Bucetinha,
Lampreia, Chato, Cadela, Feio, Toba, Cu de Jão, Fôia, Paiá, Gambá, Modesto,
Xunda, Patinha, Adrobó, Pica Pau, Velhinho, Pulo Doido, Surdo, Timbal, Madame, Chupa Taca, Xumbreba, Kankro, um repertório infinito de irreverência
e galhardia. Omiti propositadamente o meu, para contar mais uma história nos
próximos parágrafos.
O calouro ABL. |
Sendo
uma espécie de identidade comunitária (e, portanto, um elemento de adesão), cada
apelido tinha sua marca. Surgia a partir de uma característica, fala ou evento
ligado ao personagem.
O
meu era Copinho, nasceu de uma versão falsa para um caso verdadeiro, que não
vou contar para não perder a graça e também por que quem inventou não está aqui
para se defender. O primeiro objetivo do apelido era constranger o alvo,
provocar uma reação – se isso acontecesse, zás, estava dada a pega; a vítima
teria que suportar ser chamada assim nos próximos dois anos (e, a crer nesse
grupo Whatsapp recém-criado, pro resto da vida). Mas Copinho não era
suficientemente constrangedor e a maioria ficou me conhecendo pelas iniciais do
meu nome, ABL, bordadas, como requeria a norma, em minhas roupas. Era um
reconhecimento ao melhor aluno da turma.
Fica
assim explicada a preferência pelos termos de cunho sexual, sobretudo os
relativos ao sexo feminino. Não vou dizer que pensávamos o tempo inteiro naquilo
– afinal, o restaurante era sistematicamente acusado de colocar bromato de
potássio na comida para brochar a moçada - mas, em horários estratégicos, era
possível sentir as paredes dos alojamentos tremerem aos espasmos do famoso
cinco contra um, cinco judeus enforcando um ateu fazendo vomitar o que não
comeu, bronha, punheta, ou qualquer outro nome que a língua popular queira lhe
dar.
Aquela
escola era muito bem vigiada e a promiscuidade não tinha como se manifestar.
Hoje sabemos que era um santo remédio, bromato saía barato e a punheta, se a
enxergarmos sem preconceito, é um exercício tão válido quanto a corrida e o
futebol, desde que praticada de forma sistemática e disciplinada. E, para ser
ainda mais sincero, era na rua das profissionais que a maioria aplacava a fome de
amor.
Casos
não faltam para narrar daqueles dois anos intensos, eles poderão vir à baila em
outro momento. Por agora não poderia deixar de passar em branco a maior
tragédia culinária da face da terra, o desastre que gerou minha única birra com
comida na vida. Seu nome é Catado de Siri.
Sim,
o inocente catado, prato típico da cozinha baiana do litoral, que um dia foi
generosamente servido no bandejão da escola. Foram muitos os que comeram
rapidamente para retornar ao início da fila e abocanhar mais uma porção.
Acontece
que os mariscos são vingativos, mesmo depois de mortos. E catado baiano leva leite
de coco e azeite de dendê, portanto, requer moderação.
Assim
que terminou o almoço, começaram os efeitos colaterais, na forma de uma súbita
e intermitente diarreia. A corrida para os banheiros sucedeu-se ao longo de
toda a tarde, apesar de ter sido esgotado todo o estoque de Imosec das
farmácias da cidade. Alguém ria na cara do companheiro no aperreio e por baixo
descia a borrela, mandando o gozador para a fila dos cagões. Há relatos não
confirmadas de gente correndo para a privada enquanto a merda descia pelos
calcanhares.
Como
um dos poucos sobreviventes à hecatombe, com uma leve colite, resguardei-me
de rir. Só solto a gargalhada agora, quarenta anos depois. Mas jurei nunca mais
comer Catado de Siri e mantenho a promessa.
Bem-vinda, então, a celebração da memória
coletiva. Quando o presente se reapropria do passado, a história põe-se
novamente em movimento. Em um mundo cada vez mais dividido e sectário,
encontrar um campo de confraternização comum é uma verdadeira dádiva.
©
24 06 19
Verdade...a turma não tinha tanta tesão para idade, comia mais livro que Muié...havia uma espécie de comunidade idealistica e uma rotina que não sobra espaço na mente e nem tempo para nada. Era uma busca incessante pelo tal AS...A ROTINA: acordar às 6:30, as 7:00 refeitório, as 8:00 aula, as 12:00 refeitório, as 14:00 aula prática, as 17:00 na quadra, as 18:00 refeitório, as 20:00 biblioteca, após as 22:00 estudando no quarto... Vida de padre... Na hora do banho bater uma quando dava...kkkk final de semana chupar cacau, ir para Barra do Taipé na carona e sem grana ...fora isso era PAO para aprender fazendo e ganhar dinheiro..." Era feliz e sabia"..
ResponderExcluirEm primeiro lugar, desculpe pela resposta tardia. A notificação chega por email e às vezes passa (rsrs). De qualquer modo, espero que esteja muito bem e com saúde. Quanto aos tempos de 1978-85, eu os chamo de tempos heróicos, pelo menos foram para mim, tempos urgentes, a gente buscando nosso espaço e o país mudanço rapidamente. Depois da EMARCH 1978-9, fui fazer Agronomia em Viçosa. Fiquei lá até 82. Abandonei e comecei a estudar História na UFMG, que concluí. Em BH morei numa moradia muito especial, chamada Borges da Costa, sobre a qual tem também postagens aqui no blog. No mais, um forte abraço, bro, onde quer que esteja!
ExcluirOlá Abraão, encontrei este seu blog com algumas referências sobre a turma 78/79 da Emarc-Ur e vi alguns amigos na foto que vc publicou. Fui desta safra do curso de Agrapecuária e o seu texto me fez viajar para o passado (45 anos atrás). Noto que este blog anda pouco movimentado, mas espero que você (ou qualquer outro emarquiano daquele tempo) veja este meu post e responda. Se isso acontecer, poderemos - quiçá - intensificar o contacto. Abrç, Wagal
ResponderExcluirOlá, Wagal, que bom vê-lo por aqui. Acabei de responder a um comentário anterior ao seu (de 2019!). A notificação dos comentários aqui no blog só aparece na pasta "social" do meu email e geralmente passa batido. Pois é, essa turma de 78-9 foi realmente especial. Tenho o contato de Dacilton e Edivaldo/Picolé, que tem sido o responsável por encontros da turma. Isso mesmo, eles têm combinado de se encontrar. Se quiser os contatos, mande mensagem no meu zap: (31) 99632-3275. Um forte abraço!
ExcluirOlá! Sou ex-emarqueano 80/81, portanto, cheguei após a vingança do crustáceo, mas ouvi falar sobre a mesma.
ResponderExcluirGostei do texto como um todo.
Parabéns.
Ah!
Não devo encerrar sem me identificar.
Sou o NEWTON BARACHO, nome de guerra: CARRAPATO DE BREGA"
ZAP (73)99109-7809,. EMAIL newtobaracho @gmail.com e newton.bomfim@mpt.mp.br