A
sujeira está em toda parte. Em Brasília, onde a lama ultrapassou o nível das
torres gêmeas do congresso, toma-se banho de fedência e dança-se ao ritmo da
podridão. O gosto nacional pelo lixo é tamanho que, ao se construir um prédio, é
criado simultaneamente o entulho que acolhe os restos da construção: concreto, papel,
plástico, metal, além dos rejeitos líquidos e sólidos dos humanos.
Somos
um exemplo civilizatório a ser combatido de um povo que limpa a casa para sujar
a rua - e não sente nenhum constrangimento por isso. E, longe de se tratar de
um comportamento de determinada classe, é uma verdadeira epidemia, como a
dengue, a febre amarela e o Big Brother.
Com
o objetivo de dar minha modesta contribuição às avessas a essa falta de
vergonha geral, apresento a seguir o estado das coisas em minhas imediações. A Rua
Miguel Maura onde moro é uma passagem importante entre vários bairros e o
centro da cidade de Timóteo, portanto o lixo dessa rua pode ser tomado como axioma da decisão comunitária de não deixar arrefecer nossos centros criadores
de ratos, baratas, mosquitos e catadores.
A
prefeitura não recolhe o lixo, essa é a explicação de 100% dos abordados. É
verdade. Embora a cidade esteja loteada pelos entulhos, há muitos anos ninguém
se importa em recolhê-los. Mas quem espalha a sujeira são os próprios cidadãos,
outra verdade.
O
guarda-chuva quebrou? Jogue ali mesmo. Móveis imprestáveis em casa? Despeje no
passeio público. Um senhor de barbas brancas passa empurrando um carrinho com a
tranquilidade de um monge. É triste para um velhinho, não é mesmo? Ele deveria
pedir a um dos netinhos para fazer isso para ele, qual seja, depositar sujeira
no espaço alheio.
As
oficinas mecânicas que existem ao redor têm nos terrenos baldios um bota-fora
perfeito para restos de lataria e peças velhas. Existe até mesmo um desmanche
no lugar, ilegalmente, pelo que suponho, embora de pleno conhecimento do “poder”
público. Alguns sacos de lixo são amarrados a árvores e oferecem aos passantes o
espetáculo do seu fedor em flor, até que os lixeiros (que só recolhem lixo
devidamente ensacado) venham fazer seu porco trabalho. O operário que poda as
árvores da casa vem ali depositar folhas e ramos – importante frisar que o dono
fica vigiando por trás do muro, afinal ele pode pagar alguém para fazer o
trabalho sujo para ele. Aproveitando que tá uma imundície mesmo, crianças espalham
palitinhos de picolé e papéis de bala pelo chão...
Todos
estão imbuídos da convicção de que não foram os primeiros e que, portanto, não
têm culpa nenhuma. Se investigarmos a fundo, chegaremos a Pedro Álvares Cabral
e vamos concluir que a culpa foi dos portugueses.
Lancei
a ideia de uma campanha de limpeza junto aos vizinhos. Estão dispostos a
colaborar, mas ninguém tem pressa para começar o trabalho. Acham que vão fazer
o papel da prefeitura sem ganhar nada por isso. “E, a partir do dia seguinte, o
lixo estará de volta”, dizem eles para justificar a inércia.
O
único consolo é que em Brasília tá pior – tá muito pior!
©
Abrão Brito Lacerda
09 02 17
Jogamos pro estado (que é omisso), uma responsabilidade que também é nossa. Quando chove e temos os bueiros entupidos de lixo, a primeira coisa que cobramos são as obras de saneamento da prefeitura. Mas como foi dito, quem joga o lixo somos nós.
ResponderExcluirObrigado por seu comentário, Vana. Procuro descrever com humor uma realidade que revela a tragicidade de nosso país, em marcha acelerada para o caos. Literatura é isso: fazer pensar, mas também divertir.
ExcluirJogamos pro estado (que é omisso), uma responsabilidade que também é nossa. Quando chove e temos os bueiros entupidos de lixo, a primeira coisa que cobramos são as obras de saneamento da prefeitura. Mas como foi dito, quem joga o lixo somos nós.
ResponderExcluir