Envelhecer é horrível, significa regressão
física, perda de memória, sobrepeso, que
são aquelas gordurinhas que grudam por baixo da pele e se apossam de corpo como
parasitas. Além da proximidade cada vez mais provável da morte, a única desprovida
de preconceitos. E pra piorar, a insistência do ser humano em não aprender com
as experiências.
Meu
amigo põe toda a fé no Viagra:
-
A ciência tá do nosso lado. O verdadeiro problema é a pensão do INSS.
É
verdade. Com o preço do Viagra a quase trinta por cento do salário mínimo, é
melhor esquecer.
Foi
com esse espírito que decidimos ir à exposição Kandinsky, no lindo prédio de
fachada neoclássica onde fica hoje a Fundação Banco do Brasil em Belo Horizonte.
A visitação se faz por turnos, então, fila para o credenciamento. Ganhamos
nossos lugares e aproveitamos para por em dia as últimas sobre o envelhecimento:
-
Os gaúchos lançaram uma novidade: o Vinagra, um vinho que é um milagre para
curar a disfunção erética.
-
Disfunção herética? Vinho para curar heresia só pode ser vinho do padre.
-
Eu quis dizer “disfunção erétil”. Não seja herege.
Só
para matar o tempo.
E
não é que apareceu a fada madrinha da noite, assim, do nada?
Inicialmente,
ela se dirigiu ao casal atrás de nós:
-
Idosos têm a preferência; vocês podem esperar sentados.
O
casal aceitou com certo constrangimento, pois os dois não se pareciam em nada
com o que classificamos geralmente como idosos.
A
mocinha olhou em redor. Procurou alguém mais para agraciar com sua simpática
assistência. Não havia outros “idosos” à mão. Aí ela se dirigiu a meu amigo e a
mim:
-
Vocês têm preferência, podem se sentar também.
Não recusamos o convite, embora as dores que
sentimos sejam discretas e passem com massagem de arnica. Abrir uma exceção em
nossa obstinação para não envelhecer não vai representar nenhuma debâcle. A
simpática atendente nos incitou a segui-la:
-
Idosos têm preferência no credenciamento.
Devo
dizer que sempre fui terminantemente contra a esperteza de cortar filas. Mas
assim legalmente, como uma recompensa aos muitos anos que carregamos nas
pernas, não haverá de ser pecado. Aproveito inclusive a oportunidade para
lançar uma lista de reinvidicações visando àqueles que fazem vista grossa aos
direitos de todas as pessoas que estão mais próximas dos sessenta do que dos
cinquenta anos:
-
Ticket idosos para pedidos à la carte. Merecemos desconto de 50% nos
restaurantes;
-
Queremos secretárias atenciosas, dessas em cujo antro labial ressoa a frase:
“Os idosos têm preferência”.
Nesses tempos de economia
difícil e com tudo na ponta do gráfico, sugiro ademais que uma “idosa” de
sessenta anos, por exemplo, com vantagens e quinquênios acumulados, receba o
merecido descanso e ceda o lugar a três jovens de vinte anos. Tudo pela moral
dos futuros velhinhos. As estagiárias poderiam nos fazer massagens nos pés, por
exemplo, enquanto os petulantes aguardam na fila.
©
Abrão Brito
Lacerda
10 05 15
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