No
início de 1985, os estudantes João Batista, de Matutina e Alberto, de Montes
Claros, atravessaram o portão enferrujado que encerrava precariamente as
dependências do MOFUCE – Movimento Fundação Casa do Estudante – no Bairro Santo
Agostinho, em Belo Horizonte. Eles tinham como missão investigar as condições
do local, que havia sido designado para invasão em reunião do Diretória Central
dos Estudantes da UFMG, acontecida na véspera.
O
lugar encontrava-se em péssimo estado. Ele servia de ponto de apoio para
moradores de rua e afins, que o utilizavam como privada, depósito de bugigangas
e motel. Os banheiros dos primeiro andar, únicos concluídos, estavam depredados
e o mato tomava conta das áreas externas.
Alguns
dias mais tarde, foi efetivada a ocupação do prédio, uma construção inacabada
que deveria servir, como o próprio nome indica, de moradia para estudantes da
Universidade Federal de Minas Gerais. Na falta de uma moradia oficial, e
seguindo os passos do seu predecessor, a Moradia Estudantil Borges da Costa, o
Mofuce vinha suprir a lacuna.
Embora
sua ocupação tenha sido tramada politicamente, nos embates PT – PCdoB que
caracterizavam o movimento estudantil da época, o Mofuce representa um
interessante efeito de conjuntura: um lugar ocupado por estudantes pobres, do
interior, de outros estados e de diferentes bairros da capital, que surge no
limbo do sistema, do qual é filho, mas não herdeiro.
Era
uma época de acirrados embates ideológicos, os discursos trotskistas, maoístas,
albaneses (discípulos de Henver Hoxha!), cubanos, libelus (liberdade e luta),
anarquistas, de militantes católicos da JUC (Juventude Universitária Católica),
do “partidão” (PCB), das centelhas (as mulheres mais bonitas do movimento
estudantil), fluíam e floriam ao sabor
dos ventos. Havia mais tendências do que membros, sem contar as dissidências, que surgiam assim
que uma nova tendência tentava se impor.
O muro de Berlim ainda
estava de pé, o império socialista, com sua máquina de propaganda, ainda não
havia ruído e falava-se de utopia, revolução, diretas já, fora FMI! Tempos
bons, tirando a tentativa de suicídio do Rói, a chuva durante o Rock in Rio e a
inflação de 5% ao dia.
Fato importante para a subsistência
do Mofuce foi o apoio do supermercado CB Merci, situado uma rua acima. Sei que
ex-mofuceanos contestarão a minha versão, mas o supermercado forneceu boa parte
do mobiliário inicial para os estudantes montarem seus quartos: caixas de
maçãs, com as quais se fabricaram mesas, estantes, assentos, guarda-roupas,
sapateiros. Algumas atendentes gentis faziam vista grossa para as frutas
comidas às escondidas, sem dúvida um gesto de solidariedade a ser registrado na
crônica. Como na época não havia código de barras e sim etiquetas de preço, era
fácil descolar e colar a etiquetinha, podendo-se levar uma vodka Viborova
importado ao preço de uma Orloff nacional.
Era costume tomar chá de
zabumba ou corneta, um lírio selvagem alucinógeno, em festinhas da moradia. Dá
um efeito semelhante ao do LSD, dizem os sobreviventes. À meia-noite, serviram
o chá de zabumba, enquanto tocavam rock and roll no primeiro andar. Há muitas
controvérsias sobre essa noite, mas existe um consenso sobre o que ocorreu na
manhã seguinte. Foram despertados com a notícia de que havia um estudante preso
na delegacia do bairro e que deveriam ser levadas roupas para ele. Ao chegarem
à delegacia, encontraram o estudante de Geografia enrolado em uma camiseta de
malha, cedida por um policial. Ele tinha ido tomar o café da manhã no supermercado
CB Merci, como de costume, mas se esquecera de um detalhe importante: vestir-se!
Enquanto o Borges da
Costa foi fechado posteriormente e seu prédio histórico no bairro de Santa
Efigência reintegrado ao Campus da Saúde, o MOFUCE subsiste até hoje e de forma
autônoma. Ele é uma memória viva dos tempos heroicos, assim plasmados pelo poeta
beat João Batista Martins, o mesmo que ajudou a preparar a ocupação da casa:
Pardais
políticos
parasitas
e tiras
na corda
bamba
da lira.
©
Abrão Brito Lacerda
01 03 18
Olá Abrão!
ResponderExcluirSou morador do MOFUCE atualmente. Queria muito entrar em contato contigo.
Se puder, me envia um email: matheus.arqueologia@gmail.com
Abraços!