A bela igreja matriz de Sete Lagoas, da primeira metade do século XIX. |
Embora tenha morado por
dezoito anos em Belo Horizonte, nunca havia visitado Sete Lagoas. Fi-lo nestes
dias de fim de ano e muitas reflexões resultaram do que era para ser uma
simples viagem turística. Em primeiro lugar, porque hoje é praticamente
impossível viajar pelo Brasil sem incidentes relevantes, com estradas cheias e
centros urbanos frenéticos, numa inarredável marcha pelo progresso.
A pressa é tanta que não
há tempo para planejar o que se quer fazer ou organizar o que já existe. Assim,
as cidades vão crescendo aos trancos e barrancos, tornam-se lugares agressivos
e pouco hospitaleiros. Esta é a primeira surpresa: Sete Lagoas, como tantas
cidades pelo Brasil afora, cresce depressa e sem resposta equivalente em termos
de infra-estrutura urbana. Pior: cresce destruindo a si mesma, derrubando o
passado para em seu lugar erigir um presente provisório e sem personalidade. Um
pequeno exemplo: um casarão central de valor histórico foi posto ao chão na
calada da noite e posteriormente em seu lugar construiu-se (provavelmente em
tempo recorde) uma loja de eletrodomésticos!
Agora já é fato
consumado, trata-se de preservar a memória e o acervo remanescente, o que dá
lugar à segunda surpresa: a cidade tem um passado glorioso que remonta à época
das sesmarias. Foi uma povoação importante nos tempos da mineração, tendo
inclusive hospedado o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, na
condição de comandante do Registro criado pela coroa portuguesa em 1780; tornou-se
entreposto regional da Estrada de Ferro Central do Brasil, estabelecida no
município em 1896; foi sede de várias associações musicais; cultivou hábitos
modernos e chiques como o piano em casa de famílias burguesas e o cinema mudo
acompanhado de banda de música; enviou pracinhas à Segunda Guerra Mundial; e
enriqueceu-se no século XX com a mineração e a industrialização.
A antiga estação Sete Lagoas, hoje Museu do Ferroviário, nos faz sonhar com o passado. |
A partir do DNA conhece-se
o organismo, a partir de vestígios pode-se reconstituir uma civilização. A terceira e a quarta surpresas são o Museu do
Ferroviário e o Museu Histórico Municipal. Ambos contam com acervos
representativos que justificam a visita.
O primeiro, localizado no
lindo prédio da antiga estação Sete Lagoas, preserva instrumentos e utensílios
relacionados à ferrovia. A antiga bilheteria, assim como vários objetos de
escritório, está bem preservada. Há várias coisas curiosas que remontam a
épocas românticas do passado, como a “Bicicleta de Recado”. Você vê a plaquinha
e inevitavelmente pergunta à guia: “- O que é?”; “- Antigamente não havia
automóvel, assim as mensagens eram transmitidas via bicicleta.”
Banda de música que se apresentava durante as sessões, na época do cinema mudo. |
O Museu Histórico
Municipal situa-se na sede da pioneira fazenda Sete Lagoas. Seu acervo variado
inclui peças da antiga fazenda, grilhões, tenazes e ferros, usados
respectivamente para aprisionar, punir e marcar os escravos negros. Há objetos
que pertenceram a algumas famílias locais, muitas fotografias, um pequeno
memorial dos setelagoanos que combateram na Segunda Guerra Mundial, alguns
equipamentos industriais e muito mais. Infelizmente, muitas peças encontram-se
em estado precário e todo o conjunto de prédios que constitui a área do museu
requer uma restauração urgente.
Falar da quinta surpresa
é contar um pouco da era Cenozóica, aquela que aprendemos nos livros de
Geografia do primário. Foi nessa época que se formaram as grutas da região
central de Minas Gerais, como a Rei do Mato, que visitamos em Sete Lagoas. O
conjunto turístico da gruta conta com infraestrutura adequada e guias bem
preparados. A parte aberta à visitação é composta de quatro salões, dentre os
quais se destaca o último, que lembra o altar de São Pedro e o baldaquim de
Michelângelo, no Vaticano, com colunas de estalagmites de 12 metros de altura. Há
também pinturas rupestres interessantes e vestígios de ocupação pré-histórica
em uma grupa anexa.
As colunas de estalagmite do quarto salão da gruta Rei do Mato lembram o baldaquim do Vaticano, concebido por Michelângelo. |
Igrejinha, no alto da Serra de Santa Helena. |
Uma notícia de jornal da época da Segunda Guerra Mundial. |
Ainda que pressionado pelas condições adversas
do progresso, que violenta e desfigura nossos centros urbanos, o espírito das
pessoas resiste, e esta é a sétima grande surpresa. O que há de mais valioso em
Sete Lagoas é a gentileza no trato e a hospitalidade de seus habitantes, o que
a torna uma cidade tipicamente mineira. Desde o primeiro contato, sentimos
vontade de ficar. Igualmente notável é o orgulho com que os mais velhos falam
de suas raízes, ainda que isso encontre pouco eco nas gerações mais novas.
Neste embate, o cronista
põe-se ao lado da senhora Marisa da Conceição Pereira, diretora do Museu Histórico Municipal
e defensora apaixonada da história local; pois de nada servirá trocar valores permanente
por um lustre embaçado e fugaz, que se revelará um espelho trincado, depois de removida
a poeira. A arquitetura colonial que emoldurava nossas cidades no passado foi a
mais bonita e original já produzida no Brasil. Depois dela, com pequenas
concessões ao neoclássico, ao art nouveau e o Niemeyer, tudo virou caixote de concreto,
que se erige em um dia para se demolir no outro.
Um dos raros prédios históricos que escaparam de dar lugar a uma loja de eletrodomésticos ou a um estacionamento. |
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Abrão Brito Lacerda
01 03 18
Abrão Brito Lacerda
01 03 18
Como você consegue brilhantemente, falar de coisas tão simples. Fiquei super feliz por ter ido conhecer a minha querida Sete Lagoas ! Um abração !
ResponderExcluirQue bom que foi do seu agrado, Sânzia, sinto que meu texto atingiu seu objetivo. See you soon!
ResponderExcluirAbrão Lacerda