Não deve ser comum valer-se do blues para representar Buenos Aires. O tango, é óbvio, seria a tradução da verdadeira alma portenha. Mas o tango me é externo, admiro sua estética e teatralidade sem compartilhar seu sentimento. Enquanto que o blues é negro e está mais próximo de mim, que, como brasileiro, me vejo em parte assim.
A melancolia das ruas retas e largas, um tanto desérticas à noite no mês de janeiro. Da cidade dos pedestres, plana e agradável ao olhar de quem caminha.
Pouco a pouco, nos habituamos ao ritmo ágil e constante da marcha portenha, à qual se acrescentam como agradável surpresa muitas bicicletas e até patins e skates.
Percorrer a Calle Florida à noite, da Plaza de Mayo à Plaza San Martin, cruzando com gatos e outros seres noturnos. Ou fazer o mesmo trajeto de dia, quando está apinhada de turistas, mais para ouvir e ver sua música de variados ritmos e formatos.
Puerto Madero respira solidão com sua arquitetura grandiosa e distante. Trata-se de um cartão postão, no qual entramos apenas para a foto.
Nas tardes da Plaza Dorrego em Santelmo, o tango é uma experiência rica e direta.
Ao contrário dos espetáculos noturnos, formais e estereotipados, em Santelmo ele acontece abertamente em plena praça, em meio a pombos, crianças e vendedores ambulantes.
Jamais esquecerei o ar cansado do bailarino destas fotos. Ele conduzia com grande maestria uma bailarina muitos anos mais jovem, de grande vigor físico e beleza. Ela ficava com os flashs e cumprimentos, ele cuidava do som e das crianças.
Que contraste incrível a cidade oferece entre o moderno e elegante e o velho e decadente. Os automóveis merecem um capítulo à parte, pois podemos encontrar todos os tipos e modelos, com predominância dos mais simples e em todos os estados de conservação.
Ao chegar a Santelmo e contemplar a Calle Defensa, deu-me vontade de seguir a pé até a Casa Rosada, a cerca de um quilômetro em linha reta.
Os animais comungam o ar seguro e tranqüilo da cidade.
Em praças e parques, há sempre animais por perto, como gatos, patos e até cervos e pavões.
O Parque 3 de Febrero no bairro de Palermo faria ruborizar o Jardin du Luxembourg de Paris: é amplo, limpo e bonito.
Acima da copa das árvores da Plaza San Martin, surgindo por detrás do imenso Edifício Cavenah,
um avião que decola do aeroporto abaixo compõe uma miragem em um final de tarde.
Um convite para seguir até a parte mais alta da praça e tomar um vino con chorizos no bar e bistrô Torcuato & Regina
e passar o resto da tarde ouvindo música ao vivo e contemplando os transeuntes que cruzam ou se divertem na praça.
Assistir a uma ópera imaginária no Teatro Colón.
Percorrer El Caminito em La Boca e se sentir um hippie cosmopolita.
Almoçar no Café Tortoni, com o serviço mais simpático que já se viu.
Posar ao lado de Gardel e outras grandes cabeças.
Inventar uma milonga só para subir neste palco exclusivo.
E contemplar as muitas imagens fixadas de um tempo de glória, que o espírito local não cansa de reanimar, pois neste passado próximo-distante está a própria identidade de um povo.
Ω
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Abrão Brito Lacerda
Se fosse prefeito de Buenos Aires, te contratava como embaixador turístico.
ResponderExcluirDeu até vontade de ir lá!
Valeu pela viagem, Abrão!
Salut, Zé,
ExcluirVocê, como sempre, muito gentil. Em nome do prefeito, fica o convite para que visite Buenos Aires.
Há algo de que não falei nesta postagem, mas que me surpreendeu e agradou: a hospitalidade local e a forma como nos olham. Taí uma idéia para um próximo texto.
Abraços