Os
motoristas de táxi desta cidade são todos aposentados de outras profissões.
João Paulo é ex-bancário, Brás é ex-mecânico e Seu Monteiro foi operador de máquinas
em uma usina siderúrgica, demitido em período de vacas magras. Há mais de vinte anos dedica-se ao volante, profissão
que abraçou como uma segunda natureza. Percorre as ruas da cidade onde nasceu
várias vezes ao dia, conhece todos os caminhos, sinais e inclinações do sol. Funde-se
à paisagem urbana como um auto móvel, está na praça, na estação, na rodoviária.
Além
de recolher o passageiro em casa ou no trabalho na hora em que quiser. De manhã
cedinho ou tarde da noite. Seu Monteiro é humilde, paciente e prestativo.
Em
cada passageiro, sobretudo os fiéis, inscreve algumas linhas de sua vida. Seja
na forma silenciosa ou na forma do diálogo, cheio de maneirismos e expressões
populares:
-
“Tão demorano a cunsertar essa rua... Devem estar esperano o trem da eleição.”
-
O senhor vai votar em quem?
-
“Oia, desses que estão aí, cheu te falar, acho que tá difícil.”
-
Tá difícil, por isso acho que está na hora de mudar.
-
Oia, às vezes muda e fica pior, viu? Tem aquela história do antigo prefeito, o Eduardo
Nascimento, o senhor já ouviu falar. Da primeira vez, foi uma maravilha, mudou
pra melhor. Mas da segunda, deu errado, mudou pra pior.
-
Ele representa os dois lados da moeda, a cara e a coroa.
-
E não é que são todos assim?
Fui
cliente fiel do Seu Monteiro durante alguns anos, antes de me mudar para o
centro. Mas sempre o vejo no ponto atrás do supermercado, em diferentes
momentos do dia e da noite. Mantém seu carro sempre impecável, como todo taxista
que se preze, é o seu objeto de estimação.
Por
isso fica atento quando o passageiro vai fechar a porta, estende a mão, por via das dúvidas.
Os buracos e quebra-molas, que ele conhece como a palma da mão, são tratados com o devido
respeito, para que não fiquem ainda piores. Seu Monteiro cumpre a regra dos
cinco segundos na abertura do sinal, pois teme que alguma moto possa passar
voando. Conhece muitas histórias: o motoqueiro que foi parar debaixo do
caminhão, o carregador de gás que saiu rolando pela rua com os botijões, por
causa da pista molhada, retrovisores quebrados, portas amassadas. Seu Monteiro
interpreta os movimentos dos ciclistas, antecipa-se aos instintos dos mais
arrojados. Por isso se sente seguro nas ruas, quem sabe até mais do que em
casa, onde uma escada mal calçada pode gerar um tombo, nos servicinhos que ele
gosta de fazer no final de semana.
Sobre
isso tenho alertado o Seu Monteiro:
-
Veja o que aconteceu com o nosso amigo José Geraldo. Caiu de cima de uma escada
e teve traumatismo craniano.
Outro
dia o encontrei na estação ferroviária:
-
Veio buscar passageiro, Seu Monteiro?
-
Sempre tem, é bom estar aqui.
Com
a simplicidade de quem diz: poderia estar em casa, em cima daquela escada que
você me preveniu, mas prefiro fazer coisa mais segura.
Chama
a atenção o cabelo preto do Seu Monteiro, sem qualquer mancha grisalha, em
forte contraste com as rugas que sulcam o seu rosto. Será que ele o pinta? Será
que é um dom natural, genes especialmente fortes, desses que não envelhecem
nunca? Acho melhor manter a dúvida, pois Seu Monteiro parece muito feliz com
sua mistura de sabedoria madura e simpatia juvenil.
A vida é um sonho, disse um autor antigo. Setenta
anos podem parecer muito, mas desde que nos aproximamos desse limiar, queremos
mais e mais. O segredo de uma existência longa e feliz é manter-se ativo, fazer
pouco caso das dores inevitáveis e encarar os desafios de cada dia com
entusiasmo redobrado.
©
Abrão Brito Lacerda
25 01 22
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