- Filho, já fez
a tarefa?
-
Daqui a pouco, assim que terminar esta partida.
-
Não quero ver ninguém resolvendo problema de matemática na hora de deitar, isso
faz mal pra saúde.
-
Matemática faz mal pra saúde?
-
Estou falando de ir pra cama tarde e, além do mais, estressado. Como o senhor vai
levantar amanhã cedo, hein?
-
Estou quase terminando.
Você vai cuidar de outros arranjos e, meia hora depois, o gamemaníaco continua apertando as teclas do computador, com a precisão de um sniper, e em plena
escuridão, para despistar. E você é obrigado a reiniciar a conversa em tom mais
duro, que o leva inevitavelmente a interditar o computador.
Padecemos
da fraqueza da democracia, por isso temos muito a aprender com os chineses:
seiscentos pares de olhos oblongos levantando o cartãozinho vermelho para
determinar a vida de um bilhão e trezentos milhões de pessoas e ai de quem não
seguir a cartilha ao pé da letra. O partido e seu chefe supremo não podem
jamais ser contrariados, pois são eles que zelam pela segurança e conforto dos filhos.
A segunda parte funciona muito bem entre nós, mas a primeira é um
desastre. O que será que a China tem?
Quando
o novo coronavírus era uma exclusividade chinesa, sobraram críticas ao Império
do Meio, mas, agora que ele se tornou pandemônio, o salve-se quem puder expõe a
fragilidade de nossos antes sólidos alicerces socioeconômicos. O Covid-19 faz
muito mais do que solapar o corpo, numa espécie de estado islâmico equipado com
drones lançadores de armas químicas, ele cria divisão onde deveria haver
solidariedade.
Governos
são colocados à prova e povos são testados em sua resiliência, em uma luta civilizatória
em que o cérebro com seus bilhões de conexões se encontra totalmente impotente
diante de um filamento de DNA. Isolar-se é preciso, porque o mal está próximo,
o mal é o próximo e seus espirros assassinos.
E,
se a onda é bloqueio e interdição, a China põe cátedra e já começa a traçar uma
vingança para cima do ocidente democrático e fraco, que escarneceu da capacidade
de seu partido único. Afinal, eles estão vencendo o vírus enquanto o resto do
mundo estremece e, o que é pior, copia suas medidas, segundo o status, tradição
e estofo de cada líder.
Donald
Trump vestiu-se de cowboy e decretou que a epidemia estava liquidada, agora que
ele tinha colocado sua infinita inteligência para funcionar. A epidemia não o ouviu
e continuou se alastrando, então Trump resolveu vestir-se de Peru. Emanuel
Macron vaticinou que a França não seria uma nova Itália e no dia seguinte
reconheceu as virtudes do confinamento italiano e decretou a mesma coisa com
sua caneta cartesiana. Jair Bolsonaro nem precisou vestir-se de palhaço, já que
esse é o papel com o qual ele mais se identifica, e esbravejou que o
coronavírus não passa de Fake News espalhada pela mídia liberal para
derrubá-lo. Sua próxima aparição será em um templo da Igreja Universal, gritando
“Vá-te, Satanás! Larga desse corpo que não te pertence!”, em uma live com Edir
Macedo.
Não
é de matar qualquer Xi Jinping de rir?
Até
eu ando querendo copiar os métodos radicais e inquestionáveis dos chinos, a
democracia tem feito muito mal aqui em casa. As decisões do grande chefe,
partido, pai, etc., no sentido de garantir o funcionamento harmônico da
nação-família são tomadas com maneirismos pelos subalternos. Desligar o
computador, Terminar a tarefa, Tomar banho, Arrumar a cama, Colocar o pijama e
Ir dormir (Dez minutos de leitura tolerados), quando é que essas instruções elementares
serão seguidas ao pé da letra?
Chega!
Esgotou-se o tempo das discussões! A emergência da hora exige que apliquemos o
método chinês. Se ele está vencendo o coronavírus, um inimigo muito mais
poderoso, como não daria conta dos filhos que a escola mandou de volta para
casa?
©
Abrão Brito Lacerda
16 03 20
Hahaha! Pai anda desprestigiado diante dos games!
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