O
galinho de Quintino foi um famoso jogador de futebol e o Little Red Rooster, um
blues de Sam Cooke regravado pelos Rolling Stones:
“I got a little red rooster
Too lazy do crow for day”,
“Ganhei um o galinho vermelho
Preguiçoso demais pra cantar para
o dia nascer.”
Na
fazenda, o canto do galo anuncia a aurora que desponta, no entanto, é pouco provável
que ele desperte os demais bichos, além de algumas galinhas e humanos
preguiçosos. Os galos mais disciplinados começam a cantar assim que percebem a
claridade crescente. Depois que o sol nasce, vão cuidar de outros afazeres,
como defender o galinheiro e se alimentar. Quando se aposentam desse ofício, geralmente
viram canja.
A
ironia fica por conta dos galos da cidade. Ao contrário dos cães, gatos,
iguanas, hamsters e, ultimamente, até crocodilos, que gozam dos mimos dos
humanos sob o apelido de “pets”, os galos da cidade costumam ser intrometidos
que cantam onde não são chamados. Ainda assim, os poucos que resistem por puro
dever merecem todos os créditos. Imagine: você sai de casa às sete da manhã e
caminha morosamente até o trabalho e, no meio do caminho, dá com um galo que
canta em intervalos regulares, como se estivesse ensaiando uma ópera. E, ao
voltar, no final da tarde, cruza com o mesmo galináceo e tem que assistir de
novo a seu ensaio.
E
tudo isso acompanhado de arrolhos, cocoricós e ciscadas, como se estivesse
cercado de fêmeas. Atrás da cerca que separa a reserva particular da rua, ele
se sente seguro e faz questão de demonstrar isso, cantando como bem entende e
quando bem quer. Ele tem muita sorte, quem sabe esta é a verdadeira razão do
seu canto: a propriedade privada onde ele reina absoluto está muito mais limpa do
que a via pública onde eu ando. Lá as folhas que encobrem o acero são
cuidadosamente removidas toda semana, cá abunda o lixo, o plástico e a areia. Quem poderia criticar a petulância do galinho?
“Watch out
strange cat people
Little red rooster's on the prowl”,
“Cuidado estranhos seres felinos
O galinho vermelho está fazendo a ronda”.
O
galinho vermelho desfila como se fosse um soldado do exército vermelho. No entanto, seu dono ou sua dona ainda não
compreendeu que é muito triste um galo viver assim só, ainda mais sendo jovem e
cheio de vida. Se há tanta gente para proteger os cães abandonados, por que não
aparece ninguém para defender os galos sem granja?
“Ain't had no peace in the farm yard
Since my little red rooster's been gone”,
“Não há
mais paz na fazenda
Desde que o meu galinho
vermelho desapareceu”.
Este
é o risco que corre o galinho da minha rua: no mato sem cachorro, poderá ser
capturado por algum animal faminto, quem sabe um animal humano. Afinal, nem
todos os ladrões de galinha foram para Brasília em busca da galinha dos ovos de
ouro. Mas juro que não será nada fácil capturar o penoso. Ele tem uma rota de
fuga muito eficiente, composta da encosta íngreme e da mata fechada, que é para
onde ele corre toda vez que se sente ameaçado. E, ao chegar lá, bate as asas e
solta um cocoricó de triunfo.
Long live the Little Red Rooster!
Longa vida ao Galinho Vermelho!
©
Abrão Brito Lacerda
15 07 18
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