Emanuel Talvez
entra na padaria:
- Duas salsichas para o meu cãozinho
Molusco e um camembert para minha
ratinha Isabela.
A funcionária não gosta do que ouve:
- O senhor acha que eu tenho cara de
quê?
Emanuel faz gracejos:
- De uma bela senhora. Muito prazer,
sou Jesus Emanuel Talvez, vim a este mundo para desaborrecer.
- “D” o quê?
- Não é “D”, é “T” de “tatu”.
- O senhor é louco!
- Obrigado pela franqueza. Mas antes
da salsicha e do queijo, preciso de uma informação: você sabe onde fica o
hipódromo?
- O Hipódromo dos Afortunados? Segue
reto, em dois dias o senhor chega lá...
- Então dá tempo de fumar um
cigarro. Voilà o pagamento, madame...
É domingo de manhã e J. E. Talvez
toma o caminho do hipódromo como quem vai em busca da última dose de rum. A
padaria judia foi um feliz acidente,
essas funcionárias têm senso de humor. O repasto do cão e da rata é servido sob
as árvores da Praça Patriarca, perto do centro comercial Marreteiros S. A., na
Rua Torta, pouco depois da parada do Esperar Sentado, a dois passos do
dispenser da cerveja Santo Mel - você conhece? Foi saqueado recentemente.
Emanuel precisa mostrar um documento:
- Nasci em Marte, mas sou
naturalizado brasileiro.
O porteiro não se deixa impressionar
pelas aparências: “Boa aposta, filho de Deus.”
É porque eu me chamo Jesus, pensa Emanuel
com seus botões, isso abre as portas, tal qual um saca-rolha. Olhos gulosos
sobre o menu: nada de especial, a não ser essa salada de casca de abacaxi,
esses sushis requentados e essa rabada de anteontem – pelo menos é o que finge
ler o falso apostador para despistar os demais frequentadores.
- Duas meias e duas inteiras, por
favor.
- Em dinheiro, senhor, e adiantado.
O restaurante fecha assim que a corrida começa.
- Mas, e a minha comanda?
- O senhor tem quinze minutos.
- Um aperitivo, então. Vocês têm Fogo
no Rabo?
- O senhor quer dizer Fogo do Diabo? Acho que
sim.
- Uma garrafa e um copo, por favor.
- Ainda que eu mal pergunte: o
senhor vai beber sozinho?
- Como um herói de Hollywood. Agora
se apresse, já se passaram dois minutos!
Emanuel detona a garrafa em dez
minutos. Restam-lhe cinco, à rabada! Depois, a conta sobre a toalha
quadriculada e uma gorjeta:
- O guichê de apostas, por favor?
- À direita.
As senhoras elegantes o refutam com
o olhar. Sob o heat implacável do Fogo do Diabo, acaba escolhendo um cavalo
denominado Pangaré Manco, marcado com um aviso em letras minúsculas, que Emanuel
não consegue ler. Mas consegue ler o que está à direita: este cavalo está
pagando 50/1. Muito interessante. Faz a aposta às pressas e sobe a galope para
as tribunas, recheadas de homens de chapéu coco e senhoras de foulard. Dá tempo
de ver os mustangs bufando atrás da cancela, depois a largada, os choques dos cavalos
que disputam a dianteira, os braços dos jóqueis em movimento sincronizado, o
estalo das chicotadas, os cascos se movendo numa sinfônica de areia. Pangaré Manco,
o de número 51, não tarda a ficar para trás. Nem precisa de binóculos para ver.
J. E. Talvez se levanta para sair, mas é
detido por um grito que ecoa dentro do hipódromo.
Na última curva, um espetacular engarrafamento
equíneo joga ao chão o primeiro pelotão da corrida, cavalos de patas para o ar,
jockeys arremessados sobre o tapume como homens-balas. O segundo pelotão, que
vinha numa disputa cabeça a cabeça, também se estrambelha, alguns cavalos dão
meia-volta, ops! Pangaré Manco passa ao trote fagueiro...
O locutor quase engole o microfone:
- Um, dois... mas não é possível!
Pangaré Manco cruza a linha de chagada em primeiro!!!
Tudo pago em dinheiro vivo,
reencontramos Jesus Emanuel Talvez na saída VIP, com os bolsos estufados. Molusco
e Isabela poderão agora engordar a salsicha alemã e camembert francês. Acena,
toma um taxi:
- Leve-me até o Carrefour!
©
Abrão Brito Lacerda
09 04 18
Comentários
Postar um comentário
Gostaria de deixar um comentário?