Chega
de orange, o atraso é o novo black, assim, sem papas na lírica, sem calos nas
cordas vocais, sem falso pudor de trazer para a frente do picadeiro essa
compulsão recente pelo retrógrado, quadrado e tacanho. A TV mostrou, o
congresso aprovou, o STF bateu o martelo, não vai poder mais ter peito, piadas
e ironias, necas de checas e pintos, só bandas sertanejas, sexo é coisa de
canibais. Não se olhe no espelho e tome banho de cinto de castidade, veja na tv
do bispo os documentários bíblicos, catástrofes, tsunamis, mortes por bala
perdida também valem pra baixar a libido.
Achava que tínhamos evoluído depois dos hippies, yuppies e hipsters, que todo mundo ia dar de pau na federal e
cheirar talco em Miami e Las Vegas? Não tem plano B, C ou H, chega de conversa
mole, vamos direto ao atraso.
Como
vão nascer os bebês? Em sacos tipo preto lixo ou dentro do
saco amniótico, frágil e translúcido? Bota pra tocar aquela banda debochada dos
anos 80, que pregava as virtudes do naturalismo, pois pelado é o estado natural
em que viemos ao mundo, pai, mãe, avô e tia, antes que seja censurada pelo Kalil
e o Trivella, atacada com tomates por membros do MBL revoltados, alguns com
camisas verde-amarelas e outros com caras de idiotas. É a força irresistível do
atraso.
Como
seria a Virgem Maria do século XXI - única mulher a procriar sem ter
experimentado aquilo naquilo, mas por obra do espírito santo, que tudo pode,
como a Metro Goldwin-Meyer e o King Kong? As jovens pagãs fornicavam com
faunos, ogres, deuses e príapos, às vezes, humanos, foi um alívio para os
exegetas a resistência obstinada da virgem, diríamos um progresso, mas estamos aqui para falar do atraso.
Para
se vingar da concupiscência que lastra do lado de lá da banda podre desse mundo,
de seus pensamentos inconfessáveis e de seus fantasmas, os puritanos resolveram
dar a volta no parafuso com uma chave de braço. Um psicólogo custa caro, dar porrada sai bem mais
em conta. Estão mortos de preocupação para com seus nigucinhos: rifar almas a
dois por cents no altar da cobiça e manipular a massa ignara e musculosa,
pronta a testar a força dos seus punhos na cara dos mais fracos. Ah, mas não
vão nos enfiar em uma camisinha de força ao menor sinal de sangue de
menstruação, 50 chibatadas na bunda como um negro no pelourinho, ao coro de
“heil Hitler!”, não vão conseguir resgatar as pernas peludas e os púbis idem, as
cuecas marchinha-canção, as anáguas e as bombachas femininas - viva a lycra, a
lingerie e o elastano, tava mesmo quieto demais pro meu gosto, cuidado com a
turma do atraso!
Se
a arte não cheira nem fede aos narizes poucos instruídos, como explicar que são
justamente eles que agora descem o pau, no melhor estilo vanguarda do atraso? Um convite aos desregrados para rirem dos
idólatras, anarquizar os bem-pensantes, fazer gato e sapato dos certinhos,
desprezar a retórica, trair os moralistas, punir os estúpidos, incendiar os
tímidos e cavalgar na crista da onda do apocalipse civilizatório.
Mas
para começar isso certo, seria preciso banir dos livros de história, onde se
refugiaram nos últimos cem anos, os tupiniquins, tapajós, guaranis, goitacazes
e outros nomes de ruas de Belo Horizonte, e seus hábitos de andar pela selva
com as vergonhas à mostra, onde já se viu! Nem que controlem a bolsa e a bola, o
senado e o senai, os bares e o Facebook, os banguelas e os desbocados, nem que
votem no Bolsonaro, nem que elejam o diabo a quatro, nos botem num Uber pra Bratislava, não vão
conseguir nos fazer baixar o novo aplicativo tapa vergonha lançado pela Atraso
S. A.
No
ano de 5016, quando fizerem buscas arqueológicas no supercomputador da nave mãe,
descobrirão que no ano de 2036 o Brasil se fundiu com a China e o Paraguay para
formar Brachipa, com exceção do sul, que preferiu juntar-se ao Uruguay e à Argentina
para formar o Gausil. Depois de proclamarem um retorno às velhas formas
coloniais através de uma nova constituição, financiada pelo agronegócio, foi
dada a autorização para que todo cidadão Brachipense maior de 18 anos tivesse
em casa dez pés de maconha para consumo próprio, medicinal, recreacional ou
cerimonial, pois as autoridades do vizinho Gausil vinham boicotando as vendas
pela fronteira. Foi algo parecido, os
Brachipenses não se lembram de muita coisa e os Gausilianos estão até hoje tentando
lembrar a senha.
©
Abrão Brito Lacerda
29 10 17
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