Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
(Manuel Bandeira, Não sei dançar)
Há
muito tempo BH não via uma festa assim, há uma geração pelo menos. Tomar as
ruas, praças e avenidas, reconvertê-las em espaços de encontro e convivialidade
representa uma verdadeira revolução em uma cidade que foi obrigada a conviver
com os congestionamentos e a insegurança – e a reclamar deles, como se se
tratasse de uma praga irreversível. E eis que, de repente, mas não por acaso,
os bhzontinos se descobrem semelhantes e cooperativos ao invés de
individualistas e competitivos, e descem às ruas para o carnaval, transformando
a cidade em um grande salão de festa para todas as idades.
A
popularização do carnaval de rua de Belo Horizonte é uma realidade. Boa
organização e infraestrutura, com presença ostensiva dos agentes de segurança
nos locais de celebração, itinerários demarcados e isolados para concentrações
e desfiles de blocos e, sobretudo, a dispersão da festa pelas diferentes
regiões da cidade, criaram um ambiente favorável que tem atraído multidões aos
desfiles de carnaval nos últimos anos, com destaque para este marcante ano de
2017, que tem tudo para ser um divisor de águas na história da cidade.
Blocos
recém-criados e sem grandes pretensões recebem de repente a adesão de toda uma
vizinhança ávida por alegria e o cordão cresce sem parar, passando de dezenas à
casa dos milhares. Ver-se na rua cercado de gente familiar tem gerado surpresa
nos próprios belo horizontinos. Compartilhar alegria ao invés de medo,
descobrir semelhanças ao invés de diferenças traz um inesperado ar de renovação
da vida coletiva e tem contribuído para a melhoria da autoestima e do
sentimento cívico na capital. A cidade se redescobre hospitaleira, superando a
imagem austera de um imenso dormitório para quatro milhões de almas.
Além
das razões citadas acima, boa infraestrutura e organização, há outros motivos
que estimularam tantos a saírem às ruas. Em primeiro lugar, a crise, que
impossibilitou muita gente habituada a curtir o carnaval na Bahia, no Espírito
Santo ou no Rio de Janeiro de viajar. Em segundo, podemos citar as
manifestações políticas do ano de 2016, que levaram a classe média a sair de
casa e a se reapropriar dos espaços públicos que ela antes tanto temia e
abominava. Não cabe entrar no mérito dessas manifestações, mas é importante
frisar que elas tiveram força quando lograram catalisar a energia espontânea
dos cidadãos e se extinguiram quando se tornaram formais e formatizadas, ou
seja, caretas e conservadoras.
Fazer
festa pode ser a solução quando não há nenhuma outra à vista, como parece ser o
caso do Brasil no momento atual. Além disso, celebrar não exige motivos
objetivos, o que conta mesmo é a disposição de romper a rotina e a mesmice. Os
jovens não precisam de motivos para se encontrarem e comemorar, fazem isso
porque é próprio do espírito da juventude. Desejo semelhante se encontrava reprimido
pelos belo-horizontinos, tradicionalmente considerados tímidos e avessos a
demonstrações coletivas que não sejam partidas de futebol. Mas anos de injeções
de baianidade via axé music e trios elétricos ajudaram a quebrar o gelo.
O
melhor de tudo é que BH se viu no espelho e gostou da imagem: o jeito
de ser, tolerante e cosmopolita, com centenas, milhares das mais
bonitas mulheres do Brasil - união perfeita das quatro raças -, livres, leves,
soltas...
©
Abrão Brito Lacerda
28 02 17
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