France
Gripp é uma professora e poeta natural de Governador Valadares, no leste de
Minas Gerais. Seu primeiro livro foi a coletânea Eu Que me Destilo, lançada em 1994, na
qual o gosto da autora pelo verso apaixonado e “côncavo”, quase barroco não
fosse pós-moderno, se evidencia. Depois de
uma incursão pela literatura infanto-juvenil que lhe rendeu dois livros, eis que
Francirene (seu nome de batismo) retorna à sua praia natural, a poesia, com outra
coletânea, Coração Incendiário,
edição de 2014.
Fazer
o strip-tease da alma, arriscando-se nos meandros mais obscuros da linguagem
para afirmar sua individualidade em um mundo polivalente e triturador de
ilusões, é a tônica das gerações que sucederam a Ferreira Gullar e a poesia marginal. As palavras são muitas vezes condutoras de alta
voltagem, não raro o sujeito é vítima de choques, baques, cortes que ele mesmo
se inflige. É assim fazer poesia nesses tempos implacáveis: em cada palavra, um
golpe. Em sua versão feminina, essa corrente revela um erotismo apenas contido,
uma paixão que se detém nos limites da linguagem aceitável, balões de desejo
prontos para explodirem no ar da imaginação – tal qual neste poema de France
Gripp:
A FOGO
Posso menos
por isso vou e venho
e peço e busco
e mansa e brusca
vou e venho
eu procuro
o fôlego miúdo
e derreada e turva
as ancas fora do lugar
tal poder menos
reconheço
garimpando
obscuro
as ranhaduras crédulas
minúsculas
o corpo
a fogo livre e rouco
a saia ao derredor da blusa
a fogo
até os intestinos se alastrando
onde poder
menos ainda
o poço
um giro na nascente
e esse afago em ondas curtas
poder menos, poder tudo
os peitos pulam
matar a fome
para que me engula.
O
poema nasce da impressão do sujeito de “poder menos” diante da dimensão da
procura que o consome, sem contudo chegar às raias da frustração. Ao contrário,
ele sabe que é essa procura que lhe dá sentido. E o que busca o poeta? A
poesia, naturalmente, a chama que salta por indução quando determinados
vocábulos se encontram. Ressalte-se a busca de equilíbrio entre a paixão
poética e as limitações do campo verbal no qual esta se materializa. As fronteiras
das palavras são sondadas através de aliterações (“os peitos pulam”),
neologismos (“a saia ao derredor da
blusa”, “as ranhaduras / crédulas”) e
ambiguidade do campo semântico (“as ancas fora do lugar”, “matar a fome / para
que me engula”).
Trata-se
de uma autora que veio para atear fogo ao circo, liberar seus fantasmas ao mesmo tempo em que realiza
o exercício de construção de impressões ou imagens através de palavras. Essas imagens
levam não a um sentido, mas a tantos sentidos quantos lhes queiram dar os leitores.
A emoção do poeta é apenas o ponto de partida, a cada leitura é a emoção do
leitor que conta.
Assim
como quem brinca com o poema pode se queimar, quem deseja sondar o indizível
não pode hesitar; em caso de abismo, salte!
©
Abrão Brito Lacerda
30 12 16
Muito bom Abrão Brito Lacerda. Parabéns pelo texto. Você traçou um perfil France é uma ótima poeta e escritora.
ResponderExcluirObrigado, Iara. Frande disse que foi a primeira leitura crítica dos seus textos. Não há porque ficar repetindo essa coisa mainstream de promover quem ganhou esse ou aquele prêmio, quem vendeu tantas cópias. O amor à arte é a recompensa. Passe sempre.
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