Os
velhinhos andam impossíveis, minha vizinha, a Dona Clotildes, saiu da bengala
para a moto e minha avô anda querendo fazer o mesmo. A menos que elas
tenham perdido o juízo, isso não é coisa para senhoras de respeito.
O
Clube de Mototrilha da Terceira Idade é uma insensatez que filhos e netos
deveriam coibir. Vovôs não têm mais reflexos para subir uma trilha escorregadia
ou atravessar uma ponte feita de um único tronco de árvore. Mas é isso o que
anda acontecendo.
No
intuito de demover minha avó dessa ideia tresloucada, fui entrevistar a Dona
Clotildes e seu piloto, o Seu Eudésio, outro ancião que não anda batendo bem da
bola:
-
Por que resolveram aderir ao clube de motocross da terceira idade?
-
Fui chamado para um teste drive – respondeu seu Eudésio. - Eu tinha que subir
uma rampa pilotando uma moto de 200 cilindradas.
-
O senhor já sabia pilotar antes?
-
Tomei algumas aulas com meu netinho Lucas na motinha elétrica dele, é a mesma
coisa, basta acelerar e frear.
-
Mas, nas motos de verdade, tem que passar marcha também!
-
É fácil, você pisa na embreagem e mexe a mão, sempre sai alguma marcha. O
importante é que não tem marcha a ré, você nunca erra, sempre passa alguma
marcha!
-
E o senhor conseguiu passar no teste drive?
-
Claro, já passei dos 80 anos. No teste drive você não precisa subir a rampa de
verdade, basta sair vivo!
-
Então é um teste drive para provar que não vai morrer?
-
Esse é o único critério exigido para ser membros do clube, além, é claro, de
ter a moto.
-
E como o senhor conseguiu uma?
-
Comprei à prestação, para ser deduzida da aposentadoria durante 96 meses.
-
Isso dá oito anos!
-
Exatamente! É muito mais tempo do que espero viver.
-
Ainda assim, é uma maluquice!
-
Não é não, tem uma vantagem incrível: já vem com atestado de óbito, em caso de
necessidade, basta preencher.
Foi demais pra minha cabeça, apelei pra Dona Clotildes:
Foi demais pra minha cabeça, apelei pra Dona Clotildes:
-
A senhora pelo menos consultou o médico?
-
Foi ele quem me recomendou exercícios e atividades ao ar livre.
-
Mas andar na garupa de uma moto é muito perigoso. A senhora pode... morrer!
-
Quá! Quá! Quá! Já passei dos noventa anos. Se o Eudésio, que é dez anos mais
novo do que eu, pode, por que eu também não posso?
-
Como a senhora consegue subir na moto, se usa muleta?
-
Inventamos a manobra do balanço, eu sento, meus netos me embalam e, quando ganho
altura suficiente, pulo na garupa da moto!
-
A senhora pula do balanço na garupa da moto?
-
Mas não conte pra Todinha, ela está tentando aprender há duas semanas e ainda
não conseguiu...
Que
situação! Minha querida vó Todinha quer acompanhar esse bando de caducos no
próximo fim de semana e a família, que já tentou de tudo, me pediu pra levá-la pra
escolher um capacete. Preciso dissuadi-la. Se não agir rápido, corro o risco de
virar motorista de ambulância.
Com
toda a delicadeza, procurei explicar-lhe o perigo:
-
Vó, a senhora usa remédios controlados, tem pressão alta...
-
Assim é melhor, nem preciso de adrenalina, já tenho pressão acima do normal.
-
E se a senhora não aguentar?
-
Não sou de me entregar fácil, aguento três noras há mais de vinte anos...
-
Mas, para isso, terá que subir na moto e sua perna direita tá dura, como vai
fazer?
Vó
Todinha levou a mão à fronte como quem diz “Como esse molenga vai fazer para
chegar a minha idade?”
-
Já pensei em tudo, vou escorregar no corrimão e cair em cima da moto!
-
E como vai subir no corrimão?
Pacientemente,
ela apontou o dedinho esclerosado para o teto, onde uma roldana novinha em
folha estava pronta para uso.
-
Tá bem, vó. Qual vai ser a cor do capacete?
©
Abrão Brito Lacerda
03 04 16
Comentários
Postar um comentário
Gostaria de deixar um comentário?