Nossa balada começou em Belo
Horizonte, em um sábado de manhã, munidos de pouca bagagem e muito expectativa,
dois casais num Volkswagen gol mal alinhado que entrava nas curvas de banda
como um burro queixudo. Nosso destino era Serra do Salitre e, depois, Matutina,
na região do Alto Paranaíba, na marquem esquerda do São Francisco. A alegria
imperava, ainda que houvesse um certo suspense com relação à ceia de casamento,
para a qual eles tinham sido convidados e nós éramos penetras. O Jay, autor da
façanha de transformar o convite para dois em um convite para quatro, criava a
maior expectativa:
- Elvis é um
verdadeiro gentleman – ele elogiava o anfitrião -, vai nos brincar com um
banquete!
- Um churrasco já
basta, respondi, se tiver uísque e cerveja.
- E festa também!
comentaram as mulheres.
- Mas é claro que
vai ter tudo isso! – e só coisa boa, assegurou Jay.
Dispensamos o
almoço na estrada e optamos por um lanche rápido, mas aproveitamos a parada
para comprar algumas maçãs.
Chegamos ao final
da tarde, depois de duas ou três erradas, pois as estradas do interior tem
lógica própria: você procura uma cidade e dá em uma granja de galinhas ou em um
arrozal. Ainda por cima, os faróis estavam falhando.
Primeira
providência: procurar um hotel. Logo descobrimos que se tratava "do "hotel, o
único da cidade. Um reforço ao lanche seria bem-vindo, pois ainda teríamos
algumas horas até a recepção. Mas não tinha na cidade nenhuma lanchonete disponível
naquela hora.
Então, apressamos
os preparativos: ducha, prendas femininas, um blazer para parecer mais
distinto. Fomos para o local, onde alguns convidados já aguardavam. Nenhum
deles parecia ter tanta fome quanto nós.
Oito e meia, nove e
meia, dez horas, rolou o buffet. Mas não se tratava de churrasco, e sim de
salgadinhos, que pareciam ter sido congelados para ficarem mais duros. Os
mesmos deveriam ser comidos com refrigerante.
Então as mulheres,
mandonas como sempre, ondenaram, como se se tratasse de um consenso:
- Vamos procurar um restaurante!
- Mas não tem
restaurante, bem.
- Então, vamos
voltar para o hotel.
Foi o que fizemos. Comemos
as maçãs compradas na estrada e renovamos nosso estoque de bom humor:
- Isso é que
churrasco!
Decidimos partir
para Matutina o mais cedo possível no dia seguinte, pois o hotel não servia
café da manhã.
- Mas antes preciso
consertar o carro, avisei. Essa coisa de faróis falhando deve ser o alternador.
"Era" o alternador; e
a bateria estava descarregada. O carro virava, tremia num ataque epilético e
morria. Fomos a pé, Jay e eu, em busca do
mecânico cidade, que, por milagre, não tinha ido pescar
naquele domingo, O homem era do tipo sem pressa: uma martelada, um dedo de
prosa. Nos contou que a Serra do Salitre tinha sido colonizada pelos bandeirantes e
que foi visitada pelo explorador Auguste Saint-Hilaire etc., etc. Hoje é terra de criação
de gado e de café.
Partimos com o sol
alto em direção a Matutina e dali para Contendas, uma localidade pacífica na
zona rural. E foi lá que encontramos “Maria da Dona Sebastiana”, como ela se
apresentou, a gentileza em pessoa, uma senhora valente que tocou a fazenda com
a ajuda das filhas depois que o marido foi mortalmente chifrado por uma vaca.
O Jay exagerou
dessa vez, para nossa falsa surpresa:
- Precisamos comer.
Não almoçamos desde anteontem.
Sem delongas, Maria
caçou o mais belo capão, enquanto uma das filhas colhia quiabos no quintal.
Atiçaram as brasas do fogão, ao redor do qual tínhamos nos assentado, e
puseram-se a reparar o guisado: sal pilado com alho, “pimenta?”, “um pouquinho”,
cheiro verde, colorau; o frango separado em pedaços, envolvido com o tempero,
tão fresco que já seríamos capazes de comê-lo; o quiabo lavado, seco
cuidadosamente, cortado em rodelinhas e refogado em óleo. Em outra panela
prepararam o arroz, tão branco quanto o sorriso da dona Maria.
Colhemos mamão
maduro no quintal para a sobremesa. Dona Maria ofereceu-nos inclusive pinga da
adega do ex-marido, que não declinamos.
Recuperamos nossa
habitual gaiatice. Um único instante de vida pode nos fazer viver os três mil
mundos do passado, presente e futuro.
©
Abrão Brito Lacerda
13 11 15
Matutina, MG, em foto antiga |
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