Quase véspera do dia 7 de setembro, a
fessora Juliana perguntou à turma do 5º ano:
-
Por que segunda-feira que vem é feriado?
Juquinha
levantou a mão:
-
É porque meu pai disse que temos que ir no sítio da vovó fazer um churrasco e
eu vou montar a cavalo e ir passear no córrego...
-
Buuuuu! Nerd apelão!
-
Gabriel, o que comemoramos em 7 de setembro?
Gabrielzinho
ficou no aperto, tinham-se passado duas semanas da prova e ele agora confundia
as datas. Arriscou com um fio de voz:
-
Proclamação da República?
-
Quá! Quá! Quá!...
-
Silêncio! tia Juliana começou a ficar inquieta. Alguém conversou com os pais a
respeito?
Ivan,
o terrível, se apresentou:
-
Falei com minha mãe, ela disse que não podemos comemorar nada ainda porque
temos que economizar para a viagem à Disney no mês do Halloween...
-
Uá! Uá! Vai virar o Wizard do Don’t Starve!
Por
essas e outras, as antigas celebrações cívicas perderam lustro e prestígio e
hoje estão confinadas ao cercado da Dilma em Brasília. Com uma ou duas
exceções, como a que pude testemunhar nesta sexta-feira, antevéspera do 7 de
setembro: desfile antecipado em pleno centro comercial da cidade, entre carros
e pedestres, com alas organizadas e faixas alusivas, de pirraça, sem dúvida,
para lembrar aos desmiolados compatriotas que o Brasil tem história e, se o
presente é capenga e o futuro incerto, o passado merece ser exumado e reescrito.
Havia
até mesmo uma ala de escravos no desfile cívico dessa sexta-feira, com meninos
trajando calças de algodão grosso e atados uns aos outros pelos punhos. Como na
mente infantil ser escravo ou imperador dá no mesmo, afinal tudo é carnaval,
melhor é desfilar em trajes mais adequados ao clima tropical do que envergar um
terno de veludo e meias de algodão só para representar o monarca – que nem
sequer era brasileiro, foi mandado de volta a Portugal com a proclamação da
república.
Nos
meus tempos de escola primária, ansiávamos pelo 7 de setembro como Juquinha ansiava
pelo passeio ao sítio da vovó. Em uma ocasião, fui selecionado para integrar a
ala dos escravos da Escola Municipal Machado de Assis (nome que eu estranhava,
pois, para mim, menino de roça, acostumado com foices e outros utensílios,
aquilo só poderia ser “machado de aço”!). Para aumentar a autenticidade, nós,
brancos e pardos, fomos bezuntados de azeite com pó de carvão, das orelhas até
a sola dos pés. Ficamos mais pretos do que os próprios africanos.
(Imagem: profisabelaguiar.blogspot.com) |
Sob
um sol de mais de trinta graus, enfrentamos o inferno pelas ruas de terra,
arrastando correntes e ainda mais com o capitão-do-mato (um menino maior, de
botas, chapéu pontudo e bacamarte) berrando aos nossos ouvidos. Naquela época a
coisa era tomada a sério, havia palanque e comissão julgadora para escolher os
melhores dentre todas as escolas. Perdemos o primeiro lugar para a ala das
balizas, mas, surpresa, um garimpeiro recém-chegado da lavra comoveu-se com
nosso infortúnio e anunciou publicamente:
-
Vou oferecer uma “pedra azul” aos escravos!
E
ofereceu mesmo, para alarde dos alunos da escola “Machado de Aço”.
Fomos
aplaudidos como heróis, provavelmente a única vez em que isso aconteceu com um
bando de escravos. Levamos um emocionado abraço do professor Marivaldo, idealizador
do desfile, que nem sequer se importou em levar para casa um pouco da nossa
borra de carvão impregnada na roupa.
O
imperador e seu séquito, com pajens e trambiqueiros, ficou morrendo de inveja.
A Pedrita foi exibida como digno troféu pelos falsos meninos negros, mas o
professor Marivaldo, com ares de sábio conselheiro, e com a anuência da diretora,
declarou:
-
O prêmio é para toda a classe. Dá para fazer uma excursão de fim de ano.
As
semanas seguintes foram de frenéticos planos de viagem, praia, cachoeira,
talvez alugar uma sorveteria. Só que a venda da pedra se mostrou mais
complicada do que esperávamos. E o professor Marivaldo, antes tão aplicado,
andava matando aula. A explicação não tardou: ele tinha ido consultar pedristas
(nome dado aos comerciantes de pedras) em Teófilo Otoni e além, buscando o
melhor preço, agora já orçado na casa dos milhares de cruzeiros.
Esperamos
até o final do ano, o professor Marivaldo nunca voltou.
©
Abrão Brito Lacerda
09 09 15
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