Ilustração de Dante Gabriel Rossetti, irmão da poetisa, para o livro Gobling Market and Other Poems. |
Christina
Rossetti foi uma poetisa inglesa do século XIX (1830-1894), proveniente de uma
família de grandes talentos (pai poeta, irmão pintor e poeta). Começou a
escrever muito cedo e se tornou uma das vozes femininas mais conhecidas da
poesia vitoriana, juntamente como sua compatriota Elizabeth Barret Browning.
Sua obra é caracterizada pelos temas do amor e da morte, assim como pelo
misticismo religioso. O poema a seguir é um dos mais conhecidos de sua rica
lírica.
Ao lado do original, uma
tradução livre, para que o leitor penetre o “sentido” do poema. Logo depois,
uma breve análise e uma versão pelo nosso maior poeta, Manuel Bandeira.
REMEMBER
Remember me when I am gone away,
Gone far away into the silent land;
When you can no more hold me by the hand,
Nor I half turn to go yet turning stay.
Remember me when no more day by day
You tell me of our future that you plann'd:
Only remember me; you understand
It will be late to counsel then or pray.
Yet if you should forget me for a while
And afterwards remember, do not grieve:
For if the darkness and corruption leave
A vestige of the thoughts that once I had,
Better by far you should forget and smile
Than that you should remember and be sad.
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LEMBRE-SE
CHRISTINA
ROSSETTI
Lembre-se de mim quando eu me for,
Para bem longe, para dentro da terra silenciosa;
Quando não mais puder segurar-me pela mão,
E eu queira ir e ficar ao mesmo tempo.
Lembre-se, quando não mais, no dia a dia,
Puder falar-me do futuro planejado:
Apenas lembre-se de mim; você entende
Depois será tarde para aconselhar ou orar.
Mas, se tiver que me esquecer por um momento
E lembrar-se depois, não se aflija:
Pois se a escuridão e a decadência deixarem
Vestígio dos pensamentos que tive uma vez,
Melhor será esquecer e sorrir
Do que lembrar-se e ficar triste.
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“Remember” foi publicado pela autora
em 1862 em seu segundo livro, “Goblin Market and Other Poems". Trata-se de um
soneto petrarquiano, com um esquema de rimas ABBA ABBA CDE CDE.
O
tema do amor e da morte estão aí intimamente entrelaçados, enquanto componentes
inseparáveis da vida. Como lembram alguns críticos, a autora estava profundamente deprimida
quando escreveu Remember e grande parte dessa depressão vinha possivelmente de
seus desencontros amorosos: embora tenha tido mais de um pretendente e,
inclusive, ficado noiva por três vezes, nunca veio a se casar.
Quem a “aconselhava”,
“orava” por ela e “planejava” seu futuro?
Possivelmente seus pais, mas também algum pretendente já que o poema diz
“nosso futuro que você planejava”. Em qualquer um dos casos, ela ficava sempre
“querendo ir e ficar”, relutante entre sua independência e entregar-se a uma
relação que, naquela época, era uma verdadeira prisão para a mulher.
Seria um poema de amor
não consumado, não fosse a poesia essencialmente um ato criador/recriador e,
capaz de reunir os tempos do passado, presente e futuro. Todo poema retorna ao ponto inicial, recria,
lança-se para o futuro, sem deixar de ser presente.
No poema de Christina
Rossetti, o eu lírico vislumbra a morte (passado), pois sua relação com o
presente – amor, vida – é ambígua demais para durar, ainda que planos sejam
elaborados para o futuro: “when I am gone away” e “our future that you planned”
giram incessantemente em torno do eixo do “remember”, o presente indelével,
pois, obviamente, só quem está vivo pode se lembrar.
E agora, para sua
fruição, a versão do mesmo poema pelo mestre Manuel Bandeira:
REMEMBER
Recorda-te de mim quando eu embora
For para o chão silente e desolado;
Quando não te tiver mais ao meu lado
E sombra vã chorar por quem me chora.
Quando não mais puderes, hora a hora,
Falar-me do futuro que hás sonhado,
Ah de mim te recorda e do passado,
Delícia do presente por agora.
No entanto, se algum dia me olvidares
E depois te lembrares novamente,
Não chores: que se em meio aos meus pesares
Um resto houver do afeto que em mim viste,
- melhor é me esqueceres, mas contente,
Que me lembrares e ficares triste.
©
Abrão Brito Lacerda
04 03 18
04 03 18
Maravilhoso. E Manoel Bandeira, é claro, o traduziu lindamente.
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