Desculpem,
senhoras e senhores, eu realmente não quis dizer velhinho ao pé da letra, uma
vez que uma pessoa de sessenta ou setenta anos de idade não é mais velhinha
hoje em dia. Ao contrário de tempos atrás, quando ter cinquenta anos
significava estar um caco e ultrapassar o limiar dos sessenta era botar um pé
na cova. Don Quixote, o personagem decrépito da famosa novela de Cervantes, era um ancião lunático e caquético aos
cinquenta anos. E podemos considerar que estava de bom tamanho se compararmos
aos tempos antigos, quando os homens morriam na guerra entre os vinte e os
trinta anos e, mesmo as mulheres, que não lutavam de escudo e espada estavam
sujeitas a uma morte precoce, de tifo ou de parto. Mas, depois do antibiótico e
do viagra, até pessoas de oitenta anos estão bombando e não será grande
surpresa se prolongarem a procriação até a terceira idade.
Eu mesmo, no alto dos meus cinquenta e
oito anos, sinto-me saindo da adolescência – que já durou demais, confesso. Ando
ansioso para amadurecer, virar um pilar da sociedade e parar de fazer coisas
que fariam meu filho ruborizar, como escrever crônicas para sete leitores e alimentar
os bichos do zoológico com cogumelo alucinógeno mesmo sabendo que isso é
proibido.
Veja bem, você vai a uma agência dos
correios – que ultimamente é também agência bancária, escritório da receita
federal e central de fuxicos – e têm lá três caixas: um para atendimento geral,
com uma fila que começa na rua, outro só para Sedex e outros serviços mais
rentáveis e o terceiro, exclusivo para “idosos, gestantes e pessoas com
deficiência”.
Eu não tinha tanto tempo, pedi à
secretária para postar uns cartões de natal para mim. Três horas depois, ela
voltou dizendo: "Não consegui enviar os cartões. Entrei na fila errada e
acabei em uma loja da Ricardo Eletro em liquidação."
Esta é ou não é uma pessoa com
deficiência? No entanto, ela tem pouco mais de vinte anos e não pode usar
o caixa papa-fila. O jeito foi despedir a secretária e desistir de enviar
cartões de natal.
Nessas horas, um velhinho na família
vale ouro. Desconfio inclusive que a revalorização da terceira vem dessas facilidades
que eles vêm adquirindo. E, a este respeito, faço aqui uma grave acusação, que
a polícia federal e outros agentes secretos deveriam investigar: minha vizinha,
a Dona Gertrudes, é mulher de duas caras. Quem te viu, quem te vê. Oficialmente,
ela tem sessenta e cinco anos, mas após um lifting + botox, ficou com cara de cinquenta. E
ainda assim não se deu por satisfeita, encarou o pilates, a
musculação e agora desfila por aí com um namorado de quarenta, idade que ela
finge ter.
Sem
secretária, não me restou outra alternativa senão enfrentar a fila dos
excluídos do correio. Mas lá chegando, surpresa!, encontrei a Dona Geninha, de
sandálias baixas, vestidinho estampado e uma daquelas bolsas cafonas que as
senhoras costumam usar. Levei um susto. Ela parecia ter setenta anos! Foi
direto ao caixa exclusivo, sem dar bola para o meu olhar de inveja, e, lá
chegando, depositou sobre o balcão um monte de faturas a pagar, provavelmente
as contas da família inteira.
Envelhecer é horrível, dor daqui, dor
dali. Ah, que saudades dos meus vinte anos... Mas as dores da idade são o
tributo pago à longevidade. Com exceção dos poetas, dos endividados e dos
maridos traídos, ninguém espera em sã consciência deixar este mundo de
maravilhas antes de poder gozar o privilégio do “caixa exclusivo”.
©
Abrão
Brito Lacerda
01 03 18
RERERERER rerer. muito bom. Bem-vindo ao mundo da crônica. O tema é batido : as proezas e percalços das últimas fases da vida. Nada como revisitá-lo com o olhar do humor em um texto de extensão maior que a crÔnica "normal". O tema ganhou contornos polemizadores. didaticamente, talvez se possa pensar que para os mais otimistas, quase sempre saudáveis aposentados do serviço público, do mundo político e dos abastados é a festejada MELHOR IDADE. Conceito polêmico, para muitos o adjetivo melhor não seria mais adequado para um fenômeno que dura o resto da vida e que ainda não se sabe se ela vem a nós e se nós chegamos a ela. O fato é que quando uma linda jovem cede lugar no ônibus a mim, sei que não é pelos meus belos olhos, mas por respeito.Embora , meu amigo BJ, dono de um carrão e de saudáveis 56 anos, afirme que algumas delas preferem ser tratadas como bonecas pelos "velhinhos" que como peteca pelos jovenzinhos... como sempre..você mexeu com assunto difícil e para assuntos sérios: você já sabe. só rindo. Beeeimm, esta parte do comentário veio para dar calor à conversa.Buscando, então, mais luz e menos de calor, quero finalizar falando das riquezas do seu estilo que busca ser cada dia mais enxuto, conciso e menos inclusivo, digressivo afinal na vida e na fantasia tudo é determinante, mas nem tudo cabe no texto. ABRAÇAÇU do JUÂO.
ResponderExcluirGracias, honorável John,
ExcluirDe fato, o conceito de melhor é cabível em qualquer idade. Aos vinte anos, temos saúde e tesão de deuses, mas desperdiçamos a maior parte no banheiro ou malhando aqueles textos chatos da universidade. Aos cinco papai e mamãe nos repetem sem cessar que somos os seres mais bonitos e inteligentes do mundo e quando descobrimos que era mentira viramos escritores. Quanto ao texto, ele é um "affaire" de palavras, que dizem, desdizem e contradizem. Abraço retribuido.
Abrão
MUITO BOM MEU AMIGO...COMO DIZIA UM COLEGA DE EMPRESA: VELHO É MEU PASSADO...ABRAÇOS...
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