Pular para o conteúdo principal

Postagens

HUMOR E PERFORMATIVIDADE DA LINGUAGEM de João Batista Martins

              Os linguistas são seres raros, desses que dissecam a língua como se fosse um porquinho da índia em um experimento de laboratório. Usam termos difíceis, próprios aos alquimistas (não tenho certeza, mas a verdade é que conheço linguística tanto quanto alquimia). Você pensaria que estão falando para extraterrestres, até descobrir que está por fora da língua pátria e confundiria um chiste com um uptaken, a ponto de não entender a graça que o doutor João Batista Martins aprontou desta vez.             Primeiro ele fez um doutorando no tema, usou geometria, os signos semiológicos do Barthes, o idealismo de Platão e outras mumunhas para falar de sua obsessão pelo humor enquanto linguagem. Mas, na refrega diária de um professor de escola pública, sobra pouco tempo para aventuras. Quando os alunos perdem o hábito do palavrão e buscam algo mais produtivo, como o discurso criativo ou o uso correto dos pronomes oblíquos, já é uma vitória. Essa praticidade, aprendida a duras penas
Postagens recentes

SEGREDOS DE UM CURSO ONLINE DE SUCESSO

                 O trabalho virtual não é essencialmente diferente daquele realizado presencialmente. As mudanças são mais de forma, como, por exemplo, com o uso das novas ferramentas. No caso dos cursos particulares de idiomas, tão importantes para a formação otimizada de um vasto público que vai de crianças a chefes de empresas, a passagem ao virtual acrescenta vantagens que compensam qualquer outra perda. Contudo, mesmo depois do Covid-19 e do enorme avanço das atividades em linha, ainda persistem dúvidas quanto a eficiência de um curso de línguas nesta modalidade.             Do ponto de vista prático, o que é a aprendizagem senão uma repetição de modelos que, pela força do hábito, acabam sendo assimilados, a ponto de se tornarem automáticos e naturais? A autoexpressão, no que ela implica de desenvolvimento de um estilo pessoal, só desabrocha a partir dos níveis mais avançados. Basta nos lembrarmos de como as crianças imitam os adultos e como aprendemos a nossa própria língua, a

RECEITA DE BOLO PARA SER FELIZ

           Muita gente tem um slogan que a orienta na vida: “hei de vencer”, “minha casa, minha vida”, “presente de Deus”. O meu é mais singelo e apela simultaneamente a nossos instintos contraditórios de autopreservação e prazer. Dou vênia aos que rirão e aos que não, aos céticos e aos diabéticos, aos infelizes e aos que têm alergia a trigo, enfim, confesso: quem me ama, faz bolo para mim.             Por falta de amante e até mesmo por conveniência, comecei a fazer bolos, pois não tenho saco para ir à padaria todo dia, biscoitos de caixinha dão azia e outros petiscos comprados para o café da manhã amanhecem duros no dia seguinte (aproveito para contar o caso do pão de queijo traído: era uma vez um pão de queijo que virava um pau quando esfriava; um dia ele se derreteu por uma maria mole borrachenta e frígida, virou polvilho de novo e ela o trocou por um brioche).             Bolo de chocolate, bolo de milho, bolo de banana, bolo de goiaba (meu maior fracasso), bolo de aipim, bo

SEU NOME É GAL

                Em julho de 1979, quando era estudante de técnicas agrícolas em Uruçuca, Bahia, fui participar de um treinamento no município vizinho de Itajuípe. Nada de excepcional em princípio, a não ser a carona que tinha conseguido com um dos instrutores. Enquanto olhava pela janela do carro o desfile monótono das matas de cacau, com seus variados tons de verde, um fato marcante aconteceu: ele pôs para tocar uma fita cassete do último álbum de Gal Costa, recém-lançado.   A cantora era a favorita da minha geração, seus sucessos estavam na boca de todos, mas eu não tinha a dimensão de sua grandeza como artista, ouvia-a simplesmente quando tocava nas rádios.             Até aquele dia, em que pude ouvir do início ao fim o álbum Gal Tropical, com direito a reprise. Enquanto as canções se sucediam, a paisagem mudava à minha volta, ganhava uma inesperada beleza: “Samba rasgado”, a canção de abertura, mostra Gal em plena forma, com seu mix de potência e controle. Depois vem “Noites

IMPERECÍVEL – FLÁVIA FRAZÃO

                Até que enfim resolvi ler o livro de Flávia Frazão. Se souber disso, ela me mata. Minha única esperança é tornar públicas essas impressões de leitura, de modo a conquistar seu afeto e seu perdão.             Porque a alma em ebulição da autora se manifesta a cada poema e ela pode muito bem nos lançar em correntezas e dúvidas das quais não sairemos ilesos. Seu trabuco 38 (na época de lançamento do livro, em 2019 – agora ela vai me matar de vez) parece estar sempre fumegante:   “mãos ao alto senão atiro   38 é fatal e certeiro meu bem   o calibre é meu e de mais ninguém”             [Trinta e oito]             Com sorte, ela terá péssima pontaria, como a maioria dos poetas, que miram no nosso peito e acertam o próprio pé.             Não vou ser discreto, porque ela não é. É muito bom vê-la em enlace com o Manuel (Bandeira), que era casto e constante e nos deixou aquele monte de poemas clássicos que salvam do esquecimento os livros didáticos de

SOL NO CORAÇÃO

         Kikuko tocando Koto (harpa japonesa), em 1973, ano de sua partida para o Brasil.             O contraste entre luz e sombra, fundamental nas artes plásticas, oferece um notável meio de observação sobre a natureza da existência. Sabe-se que a luz é mais clara e a sombra é mais escura na proximidade do ponto em que se tocam no ângulo. Posicionadas lado a lado, uma ajuda a definir a outra, como seu contrário e seu complemento.             Na filosofia budista, a luz (sol) e a escuridão (noite) são frequentemente usadas como metáforas dos estados fundamentais do ser. Assim, o termo “escuridão fundamental” designa o oposto da iluminação ou sabedoria búdica). Contrárias mas não excludentes, ao contrário, nerentes e inseparáveis, o que equivale dizer que não existe sabedoria sem ignorância e vice-versa. A prática budista visa, de um ponto de vista prático, ativar os fatores que favorecem a sabedoria e  conduzem ao sucesso (realização dos objetivos) e à felicidade. O sujeito pode